São Paulo, quinta-feira, 14 de setembro de 2006

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Bolívia "rebaixa" Petrobras, e Brasil cancela encontro

Medidas como a perda do controle do fluxo financeiro "inviabilizam" refinarias, diz estatal

Reunião em La Paz entre governos brasileiro e boliviano para discutir preço do gás simbolizaria retomada das negociações

FABIANO MAISONNAVE
DA REPORTAGEM LOCAL

O Ministério de Minas e Energia e a Petrobras decidiram cancelar a viagem a La Paz marcada para amanhã do ministro Silas Rondeau e do presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, em protesto contra a resolução governo boliviano que rebaixa as duas refinarias da empresa a prestadoras de serviço. Ontem à noite, a decisão ainda dependia de ratificação do presidente Lula, mas a Folha apurou que dificilmente seria revertida.
"A Petrobras expressa a sua discordância da resolução ministerial 207/2006 (...) na qual se estabelecem novas condições de produção, transporte, armazenagem e comercialização do petróleo e do GLP e se incluem todas as etapas da cadeia de preços dos derivados de petróleo", diz a dura nota da empresa brasileira, distribuída ontem à noite.
"Diante dessa decisão do governo, a Petrobras manifesta seu desacordo do ponto de vista legal, operacional e financeiro, já que isso inviabiliza totalmente os negócios de refinação da empresa no país."
A nota da Petrobras adverte ainda que a resolução ameaça o abastecimento boliviano, pois "compromete a manutenção das atividades de refinação". As duas unidades da Petrobras são responsáveis por 90% do mercado interno.
Na avaliação da Petrobras, a resolução de anteontem aponta que o governo boliviano mantém a mesma "disposição belicosa" demonstrada no decreto de nacionalização, em 1º de maio. A empresa não aceita negociar a transferência das refinarias sob as condições da resolução e estudará a adoção de medidas judiciais.
Com o cancelamento da reunião, as negociações com o governo boliviano, paralisadas há dois meses, voltam à estaca zero. Ironicamente, a Petrobras avaliava que as refinarias seriam o ponto mais fácil da imensa pauta entre as duas partes, que inclui a assinatura de novos contratos de exploração de gás até 1º de novembro.
A resolução boliviana e a reação do governo brasileiro também jogam por terra a reaproximação ensaiada durante visita a Brasília do vice-presidente de Morales, Álvaro Garcia Linera, a Lula, no final do mês passado, quando foi anunciada a retomada das negociações novamente suspensas.
Em Brasília, as duas partes também haviam concordado em evitar declarações e "negociações" pela imprensa. A nova crise desfaz o pacto de só três semanas e tido como um dos pontos mais importantes pelo assessor internacional de Lula, Marco Aurélio Garcia.
A reunião de amanhã teria como tema oficial a retomada das negociações do preço de gás -o que está fora do marco da nacionalização-, mas serviria como gesto de reaproximação.
A intenção declarada do governo Evo Morales com a resolução de anteontem, que estabelece o monopólio estatal do comércio interno e de exportação dos derivados de petróleo -o gás natural não entra na medida-, é diminuir o valor de venda das duas refinarias.

Fluxo de caixa
A resolução estabelece, por exemplo, que todo o pagamento de derivados como gasolina e GLP (gás natural) será feito diretamente na conta da YPFB -ou seja, a Petrobras perde o controle do fluxo financeiro da venda dos produtos das refinarias, adquiridas em 1999 por cerca de US$ 100 milhões.
Para a empresa brasileira, a perda do controle do fluxo de caixa "põe em risco a manutenção dos financiamentos já contratados pela empresa e em conseqüência a manutenção normal de suas atividades".
O texto da resolução de anteontem acusou ainda a Petrobras de superfaturar preços de produtos não-regulados, como lubrificantes. Segundo o governo, isso teria provocado "rendimentos inadequados e irracionais (...) em detrimento do consumidor interno".
O ministro de Hidrocarbonetos, Andrés Soliz Rada, disse que a Petrobras "indevidamente administrou" o preço de produtos não-regulados, como lubrificantes, gerando um lucro de ao menos US$ 320 milhões. Segundo ele, essa avaliação entrará na negociação para a compra do controle acionário das duas refinarias pela YPFB.
A Petrobras rechaça a acusação e afirma que não aceitará esse argumento para negociar a venda das refinarias. Segundo a nota, o lucro médio anual das unidades é de US$ 14 milhões. "Esses valores desvirtuam o critério de que a empresa tem "benefícios extraordinários"."


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