São Paulo, segunda-feira, 14 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Mudanças qualitativas no comércio exterior

ISAC ZAGURY

O comércio mundial terá provavelmente um segundo ano consecutivo de retração, o que nunca ocorreu desde 1950. Os mercados acionários voltaram a registrar índices reais anteriores aos da "crise Tequila". O volume de emissões internacionais de títulos de renda fixa teve uma queda de 50% em relação ao mesmo período do ano passado. Os bancos de atuação global tiveram pesadas perdas com empresas envolvidas com fraudes contábeis. Esse cenário negativo provocou uma crescente aversão ao risco e o chamado efeito "flight to quality".
Embora enfrentando uma conjuntura internacional extremamente desfavorável, o país ainda deve crescer pelo menos 1,5% em 2002. Por outro lado, o Brasil começa também a colher frutos de sua estratégia de diversificar mercados, apesar da redução nas vendas para destinos tradicionais como Argentina e Europa. O resultado da balança será superior a US$ 11 bilhões. Em realidade, a inversão da balança será de US$ 17 bilhões, caso consideremos o período 1999-2002.
Entretanto vale destacar algumas questões relevantes na análise do comércio exterior brasileiro. Importantes mudanças ocorreram nas áreas da promoção comercial, do crédito e da produtividade.
Não obstante uma redução dos preços internacionais das commodities exportadas pelo Brasil, o saldo da balança comercial de agronegócios cresceu em torno de 50% nos últimos anos. O agronegócio é um exemplo clássico do boom de produtividade, demonstrado por meio de um crescimento de 45% da safra no período 1996-2002, com praticamente a mesma área de cultivo. O país hoje produz 30% a mais de soja por hectare que os Estados Unidos.
O comércio internacional está muito mais protegido do que dez anos atrás. Tanto os países industrializados como os em desenvolvimento vêm adotando políticas ousadas e inovadoras de apoio às exportações. Paradoxalmente, a tarifa média americana para os 20 principais itens de exportação do Brasil é três vezes superior à praticada no sentido inverso. A nova lei agrícola americana adiciona mais US$ 20 bilhões aos subsídios já existentes.
A crescente diversificação da pauta é resultado de nova política de promoção comercial mais agressiva, com diálogo permanente com novos parceiros. As sucessivas crises internacionais vêm exigindo mais agilidade no redirecionamento dos destinos das nossas exportações.
O país também se beneficiará dos investimentos que realizou a partir de 1999 para substituir importações, principalmente nos segmentos do complexo eletrônico e de material de transporte. Representará, sem dúvida, uma ruptura no padrão do impacto do nível de atividade sobre a balança comercial com uma redução sensível do coeficiente de elasticidade.
O financiamento é hoje, sem dúvida, a grande variável estratégica para a inserção em novos mercados e indispensável às exportações de bens de capital e manufaturados. O BNDES vem redirecionando suas prioridades e alocará aproximadamente 35% do seu orçamento em 2002 para o apoio às exportações. Embora o foco seja o crédito de longo prazo, o banco vem suprindo, em caráter complementar, com a agilidade necessária, a demanda de capital de giro para a produção dos bens a serem exportados.
Não obstante os avanços recentes, a agenda das exportações ainda é bastante complexa e desafiadora. A falta de cultura exportadora e a excessiva concentração da base são temas que exigirão esforços adicionais nos próximos anos.
O crédito voluntário internacional continuará ainda escasso nos próximos anos, já que a atual crise parece mais duradoura e estrutural. Assim, será relevante compatibilizar a geração de saldos comerciais crescentes com a necessidade de crescimento em patamares mais elevados.


Isac Roffé Zagury, economista, é vice-presidente do BNDES.


Texto Anterior: Ministério admite problema, mas diz que investimentos cresceram
Próximo Texto: Dicas/Folha Invest: Evite a troca de papéis antes das eleições, pois a volatilidade subirá
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.