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Governo Lula teme o "subprime Pacheco"
Medo de colapso de instituição bancária arrefece e dá lugar ao temor com inadimplência no setor de carros usados
População de baixa renda, base da popularidade de Lula, pode ter dificuldades em pagar prestações de veículos, avalia o governo
KENNEDY ALENCAR
SHEILA D'AMORIM
LEANDRA PERES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Avaliando que o pior já passou na área financeira, mas não
em outros setores da economia,
o Palácio do Planalto acredita
que há dois grandes nós a desatar no gerenciamento da crise:
as dificuldades dos consumidores que financiaram veículos
usados e o medo dos bancos de
uma onda de saques das aplicações financeiras, o que faz com
que eles segurem mais recursos
em caixa.
O financiamento de carros
usados em prestações a perder
de vista (60 meses, por exemplo) e que, na análise das carteiras de crédito, não teriam garantias satisfatórias são apelidadas no mercado, numa analogia satírica às garantias das
hipotecas americanas, de "subprime Pacheco".
"Subprime" é o nome dado
nos EUA ao crédito de segunda
linha e de alto risco cuja inadimplência está no epicentro
da crise financeira global.
"Pacheco" une as primeiras
sílabas de Passat, Chevette e
Corcel -veículos antigos, bastante populares em sua época e
que servem para simbolizar o
consumo de automóveis da nova classe média, pessoas com
renda mais baixa e que ajudam
muito nos índices de popularidade do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva.
Nas conversas de auxiliares
de Lula com os bancos e o mercado, identificou-se que foram
concedidos financiamentos para carros já velhos, com prazos
muito longos. Como o bem financiado perde o valor ao longo
do tempo, ele deixa de ser uma
boa garantia para a operação de
crédito, elevando o risco de
prejuízos às instituições financeiras. O deságio e o expurgo na
negociação de carteiras evidenciam essa falta de qualidade na
concessão de parte dos empréstimos.
Resumindo: na época das vacas gordas, já havia um risco
considerável de inadimplência
nessas operações, embutido no
custo dos empréstimos. Em
tempos de crise, esse risco aumentou muito da noite para o
dia.
Até agora, o governo tomou
medidas para ajudar as montadoras de veículos. Ou seja, basicamente o mercado de novos.
Mas as carteiras dos bancos
que financiaram veículos estão
repletas de empréstimos para a
compra de usados. Uma saída é
socorrer diretamente esse consumidor -muitos já devolvem
os automóveis às revendas e
aos bancos. Uma possibilidade
é permitir refinanciamentos a
taxas mais camaradas.
Aplicações financeiras
O outro nó importante é o da
chamada liquidez diária. Como
a maioria das aplicações financeiras permite ao investidor,
após um período médio de carência de 30 dias, sacar os recursos a qualquer momento, os
bancos têm adotado uma postura conservadora de aumentar
o volume de dinheiro disponível em caixa para cobrir eventuais saques de aplicações como fundos de investimento.
Com um patrimônio total de
R$ 1,1 trilhão, a indústria de
fundos de investimento já perdeu R$ 59,5 bilhões neste ano,
segundo dados da Anbid (Associação nacional dos bancos de
investimento). Boa parte desse
dinheiro está indo para CDBs,
papéis emitidos pelos bancos
para captar recursos, mas há
um receio de que as pessoas
usem esse dinheiro que está
aplicado para pagar dívidas, se a
situação econômica se agravar.
Nesse ponto, uma saída em
estudo, segundo a Folha apurou, é uma medida do próprio
Banco Central para deixar com
os bancos mais recursos a fim
de ajudar a aumentar a garantia de liquidez diária. Se os bancos seguram recursos em caixa
por medo de emprestar e para
se precaver contra saques, há
redução do dinheiro em circulação na economia. Resultado:
o crédito fica mais escasso e caro, prejudicando a economia
como um todo. As empresas
têm se queixado da dificuldade
para obter capital de giro.
Com isso, a equipe econômica continua elaborando e
anunciando medidas para tentar cobrir os rombos que a crise
financeira atual deixará na economia, sobretudo em 2009. Essa postura não bate com o discurso otimista que o ministro
Guido Mantega (Fazenda) e o
presidente do Banco Central,
Henrique Meirelles, adotam de
que tudo está voltando ao normal gradualmente.
Na verdade, o governo avalia
que o pior da crise financeira já
passou, mas os estragos sobre a
economia estão apenas começando, e é isso que se tenta minimizar. O risco de um banco
quebrar por falta de dinheiro
no final do dia para fechar seu
caixa não é mais a preocupação
central. Mas ele foi substituído
pela velocidade e intensidade
com que a crise tem contaminado as expectativas de empresários e consumidores, reduzido as intenções de consumo e
investimento e pelo medo de
uma explosão de inadimplência, que já mostra sinais.
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