São Paulo, sexta-feira, 14 de novembro de 2008

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Governo Lula teme o "subprime Pacheco"

Medo de colapso de instituição bancária arrefece e dá lugar ao temor com inadimplência no setor de carros usados

População de baixa renda, base da popularidade de Lula, pode ter dificuldades em pagar prestações de veículos, avalia o governo

KENNEDY ALENCAR
SHEILA D'AMORIM
LEANDRA PERES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Avaliando que o pior já passou na área financeira, mas não em outros setores da economia, o Palácio do Planalto acredita que há dois grandes nós a desatar no gerenciamento da crise: as dificuldades dos consumidores que financiaram veículos usados e o medo dos bancos de uma onda de saques das aplicações financeiras, o que faz com que eles segurem mais recursos em caixa.
O financiamento de carros usados em prestações a perder de vista (60 meses, por exemplo) e que, na análise das carteiras de crédito, não teriam garantias satisfatórias são apelidadas no mercado, numa analogia satírica às garantias das hipotecas americanas, de "subprime Pacheco".
"Subprime" é o nome dado nos EUA ao crédito de segunda linha e de alto risco cuja inadimplência está no epicentro da crise financeira global.
"Pacheco" une as primeiras sílabas de Passat, Chevette e Corcel -veículos antigos, bastante populares em sua época e que servem para simbolizar o consumo de automóveis da nova classe média, pessoas com renda mais baixa e que ajudam muito nos índices de popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Nas conversas de auxiliares de Lula com os bancos e o mercado, identificou-se que foram concedidos financiamentos para carros já velhos, com prazos muito longos. Como o bem financiado perde o valor ao longo do tempo, ele deixa de ser uma boa garantia para a operação de crédito, elevando o risco de prejuízos às instituições financeiras. O deságio e o expurgo na negociação de carteiras evidenciam essa falta de qualidade na concessão de parte dos empréstimos.
Resumindo: na época das vacas gordas, já havia um risco considerável de inadimplência nessas operações, embutido no custo dos empréstimos. Em tempos de crise, esse risco aumentou muito da noite para o dia.
Até agora, o governo tomou medidas para ajudar as montadoras de veículos. Ou seja, basicamente o mercado de novos. Mas as carteiras dos bancos que financiaram veículos estão repletas de empréstimos para a compra de usados. Uma saída é socorrer diretamente esse consumidor -muitos já devolvem os automóveis às revendas e aos bancos. Uma possibilidade é permitir refinanciamentos a taxas mais camaradas.

Aplicações financeiras
O outro nó importante é o da chamada liquidez diária. Como a maioria das aplicações financeiras permite ao investidor, após um período médio de carência de 30 dias, sacar os recursos a qualquer momento, os bancos têm adotado uma postura conservadora de aumentar o volume de dinheiro disponível em caixa para cobrir eventuais saques de aplicações como fundos de investimento.
Com um patrimônio total de R$ 1,1 trilhão, a indústria de fundos de investimento já perdeu R$ 59,5 bilhões neste ano, segundo dados da Anbid (Associação nacional dos bancos de investimento). Boa parte desse dinheiro está indo para CDBs, papéis emitidos pelos bancos para captar recursos, mas há um receio de que as pessoas usem esse dinheiro que está aplicado para pagar dívidas, se a situação econômica se agravar.
Nesse ponto, uma saída em estudo, segundo a Folha apurou, é uma medida do próprio Banco Central para deixar com os bancos mais recursos a fim de ajudar a aumentar a garantia de liquidez diária. Se os bancos seguram recursos em caixa por medo de emprestar e para se precaver contra saques, há redução do dinheiro em circulação na economia. Resultado: o crédito fica mais escasso e caro, prejudicando a economia como um todo. As empresas têm se queixado da dificuldade para obter capital de giro.
Com isso, a equipe econômica continua elaborando e anunciando medidas para tentar cobrir os rombos que a crise financeira atual deixará na economia, sobretudo em 2009. Essa postura não bate com o discurso otimista que o ministro Guido Mantega (Fazenda) e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, adotam de que tudo está voltando ao normal gradualmente.
Na verdade, o governo avalia que o pior da crise financeira já passou, mas os estragos sobre a economia estão apenas começando, e é isso que se tenta minimizar. O risco de um banco quebrar por falta de dinheiro no final do dia para fechar seu caixa não é mais a preocupação central. Mas ele foi substituído pela velocidade e intensidade com que a crise tem contaminado as expectativas de empresários e consumidores, reduzido as intenções de consumo e investimento e pelo medo de uma explosão de inadimplência, que já mostra sinais.


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