São Paulo, quarta-feira, 14 de dezembro de 2005

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OPINIÃO ECONÔMICA

Peter Drucker e o Brasil de 2006

BORIS TABACOF

Peter Drucker tem razão: o Brasil marca passo não por falta de poupança e investimento mas pela ausência de boa gestão pública. Daí ser necessário que a discussão política do ano eleitoral se concentre em como gerir bem o país, sem comando quase ilimitado de qualquer equipe econômica. O Brasil precisa de estadistas, além de bons economistas. Drucker escreveu que nossa sociedade transformou-se com incrível rapidez na sociedade das instituições -de negócios, governo, cultura, educação e entes sociais. É certo que os governos não são empresas, mas é desejável que eles saibam gerir o Estado e modernizá-lo. Deveríamos dar maior relevância ao homem que morreu em novembro, aos 95 anos. Ele foi considerado o inventor do "management", palavra difícil de traduzir, como ele mesmo dizia. Talvez possa se chamar de gestão essa ciência que é também uma arte, já que lida com muito mais do que a simples gerência material de negócios.
Peter Drucker foi precoce, papel que cabe aos gênios. Ainda nos anos 50, afirmava que os trabalhadores de uma organização devem ser tratados como parte dos seus ativos, e não encargos que devem ser eliminados. Na década de 70, destacava a importância dos trabalhadores do conhecimento, antevendo a atual era da inovação. Dizia que atrair e reter talentos são as duas tarefas centrais da gestão.
Em alguns contextos, as teses de Drucker têm algo a ver com o atual momento brasileiro. Escreveu ele: "Desenvolvimento econômico e social significam gestão, acima de tudo... Ficou óbvio que a visão tradicional dos economistas, do desenvolvimento como função da poupança e investimento de capital, não era adequada. Ao contrário, é a gestão que produz desenvolvimento econômico e social e, com ele, poupança e investimento de capital".
E ainda: "Tornou-se evidente que, diferentemente da crença corrente na América Latina de que os países em desenvolvimento são subdesenvolvidos, eles são subadministrados (undermanaged)".
Há uma década, o sucesso de um brilhante grupo de economistas que delineou um projeto de estabilidade da moeda deu lugar ao surgimento da equipe econômica. A título de acabar com a inflação galopante e manter a estabilidade, esse grupo adotou uma política rígida e praticamente assumiu o comando maior do país. Ao aplicar diligentemente o manual, definiu como linha mestra a meta da inflação, esperando que o mercado, entregue a si próprio, encontrasse o rumo do crescimento.
Acontece que o referido mercado é constituído por atores financeiros. Achar que esse mercado pode encontrar um nível que determine condições de crescimento da economia, já que ele flutua ao sabor dos seus interesses, ganhando nas altas e nas baixas, é a crença granítica das equipes econômicas. A idéia de que qualquer coisa fora dos cânones ortodoxos é populismo ou aventura é tentar impor o malfadado pensamento único. Precisamos de mais Drucker e de menos ortodoxia. A globalização é um fenômeno financeiro. É possível que a rápida integração nos fluxos trilionários de capitais, sem que se estabeleçam políticas industriais com firmeza e visão atualizada, estejam fazendo mais mal do que bem para o Brasil.
Outra lição de Drucker tem a ver com a discussão sobre o risco de o Brasil se tornar um país "pós-industrial" sem ter alcançado a plena fase de economia industrial. A fruta estraga antes de amadurecer.
A história de Drucker se confunde com a história da ascensão da corporação moderna e dos dirigentes que organizam o trabalho. Embora não tenha exercido funções executivas em empresas, Drucker foi consultor, com decisiva influência sobre figuras célebres, como Alfred Sloan, da General Motors, Jack Welch, da General Electric, Andrew Grove, da Intel.
Na fase mais madura do guru dos gurus -como Drucker era chamado-, desencantou-se com o capitalismo do final do século 20, dedicando-se mais à gestão do setor não-lucrativo da sociedade.
Ele achava que a cobiça era mais bem remunerada do que a performance e via com desconfiança os executivos que se dedicavam à construção de impérios, por intermédio de fusões e aquisições, e que ganhavam largamente à medida que despediam milhares dos seus trabalhadores. Chegou a comparar, com certo exagero, os traders de Wall Street a "camponeses balcânicos roubando as ovelhas uns dos outros". O Brasil precisa dos mercados financeiros atuantes, mas também precisa crescer e buscar uma sociedade mais justa e feliz. O momento da verdade deve estar chegando.


Boris Tabacof, 77, diretor do Conselho de Economia da Ciesp, foi presidente do Conselho Superior de Economia da Fiesp/Ciesp e vice-presidente do Conselho de Administração da Cia. Suzano de Papel e Celulose.

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