São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2004

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TRABALHO

Governo está disposto a propor ao Congresso a extinção da representação dos patrões, que reagem

Sindicato patronal é posto em xeque

CLAUDIA ROLLI
FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo federal está disposto a extingüir os sindicatos patronais, caso os empresários não aceitem mudar a forma de organização dessas instituições.
O tema está em debate no Fórum Nacional do Trabalho (FNT), do qual participam trabalhadores, empresários e governo.
A hipótese dessa medida extrema, levantada nas negociações da reforma sindical nas últimas semanas, visa pressionar os empresários a aceitar um novo modelo da estrutura sindical, uma das bandeiras do governo Lula.
Os empresários não aprovaram até agora a proposta de estabelecer a liberdade sindical -isto é, acabar com a unicidade sindical, que garante a um só sindicato o poder de representar trabalhadores ou empresas em uma região.
Também não querem abrir mão da fonte garantida de receita -o imposto sindical, que é descontado compulsoriamente das empresas, associadas ou não a um sindicato, conforme seu capital social.
O governo entende que a unicidade e o imposto obrigatório devem acabar, para que as organizações se tornem de fato representativas, e quer pôr fim à indústria de sindicatos, que movimenta milhões de reais por ano no país. Antes da Constituição de 88, cerca de 6.000 sindicatos atuavam no país. Hoje, esse número beira os 20 mil, diz o Ministério do Trabalho.
A idéia de fazer uma nova legislação só para os sindicatos de trabalhadores foi cogitada, já que eles se entenderam com o governo na semana passada. Como as discussões do lado patronal sobre a forma de organização emperraram, os empresários ficariam fora dessa nova legislação.
A Folha apurou que isso poderia ocorrer por meio de um projeto de lei, que regularia a organização e os critérios de representatividade dos sindicatos, e de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional), que permitiria a instalação de um nova estrutura sindical e que poderia retirar do artigo 8º da Constituição, que trata da associação profissional ou sindical, a referência a empregadores.
"Se os empresários insistirem na unicidade sindical, não vamos discutir contribuição sindical para eles e vamos levar um projeto para o Congresso. Eles [patrões] vão ter de negociar com o Congresso", afirma Osvaldo Bargas, secretário de Relações do Trabalho e coordenador do fórum.
"Não dá para modificar a história de 60 anos de um país só porque em outros países é diferente", afirma Rodolfo Tavares, da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), que representa os empresários nas discussões.
A resistência dos empregadores em negociar, no entender do governo, não pode impedir que a reforma sindical saia do papel neste ano. Em 2005, o plano do governo é discutir a reforma que vai tratar de direitos trabalhistas.

Pressão dá resultado
A pressão do governo já começa a dar resultado. Anteontem, em uma reunião do fórum para discutir negociações coletivas e direito à greve, os empresários concordaram que todas as instâncias sindicais (confederações e federações) têm de negociar com os trabalhadores -hoje, só os sindicatos patronais fazem esse papel. Os empresários resistiam à idéia.
"As confederações poderem negociar com os trabalhadores significa uma revolução no sistema de relações do trabalho no país, pois permite negociar acordos e contratos coletivos nacionais. Por isso, acreditamos que os empresários podem chegar a um entendimento sobre a organização sindical", diz Bargas.
Caso o acordo não saia, o governo acenou também com a possibilidade de fazer valer para os empregadores as mesmas regras já negociadas com os trabalhadores. Mas com algumas exceções.
A taxa negocial, por exemplo, que vai substituir o imposto sindical e dar sustentação aos sindicatos de trabalhadores, não deve ser estendida para as organizações de empresários. Na análise do governo, os representantes do "capital" não precisam de ajuda.
A dificuldade de negociar a reforma sindical com o setor empresarial não ocorre por acaso. "Não é só o imposto sindical que está em jogo. As organizações sindicais empresariais também têm assento nos conselhos de entidades como o Sesi [Serviço Social da Indústria], Senac [Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial], Sesc [Serviço Social do Comércio] e outras entidades ligadas ao Sistema S [Senai, Senar, Sest, Senat e Sebrae], que movimentam bilhões de reais por ano", afirma Luis Carlos Moro, presidente da Alal (Associação Latino-americana de Advogados Trabalhistas).
Criado na Era Vargas, assim como toda a legislação sindical em vigor no país, o Sistema S garante recursos para políticas voltadas para a aprendizagem e a cultura, a partir de um percentual recolhido sobre a folha de pagamento de todas as empresas que atuam no mercado formal. Em 2003, o imposto sindical movimentou cerca de R$ 5 bilhões e o Sistema S, R$ 7 bilhões, informa Moro.
Para especialistas em relações trabalhistas consultados pela Folha, apesar do ultimato aos empregadores, o governo não deve, de fato, acabar com a representação sindical dos empresários -o que pode ser cortado é a fonte de receita dessas entidades.
"Teoricamente, o que pode ocorrer é o fim do imposto compulsório. Acho difícil o governo optar pelo fim dos sindicatos patronais em um momento em que são necessárias entidades de empresários com abrangência nacional, estadual e local para discutir a criação de acordos e contratos coletivos nacionais", diz José Dari Krein, professor da Unicamp.
"O que o governo faz é uma pressão democrática para buscar um acordo do lado patronal", afirma Luiz Marinho, presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores). "Acabar com sindicato patronal pode prejudicar os trabalhadores porque vai pulverizar as negociações trabalhistas", diz Paulo Pereira da Silva, presidente da Força Sindical.



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