São Paulo, sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

O Estado, de empresário a financista

Intervenção de Lula no setor empresarial não tem sentido, deve dar em bobagem e não mexe em má herança de FHC

O ESTADO brasileiro deixou de ser empresário para tornar-se financista, algo entre banco de investimentos e firma de "private equity". Ou consultor "estratégico" com poder de veto e de alta pressão. Passou da hora de rediscutir se o governo e prepostos devem ter participações em empresas privadas, em quais e por qual motivo.
Nesses dias, o governo Lula começou a defender a liberação do mercado de telecomunicações e o financiamento, talvez subsidiado, de uma operação privada de descruzamento acionário. Pouco antes, um setor do governo quis vetar ou controlar a compra da Xstrata pela Vale.
No ano passado, uma estatal, a Petrobras, coordenou a reestruturação da petroquímica. O governo Lula privatizou estradas federais e licitou uma grande hidrelétrica. Mas deve tirar os portos, as Companhias Docas, do programa de desestatização.
Os lulianos ainda colocaram no PAC medidas para melhorar a administração da Eletrobrás ("governança corporativa"), o que não andou, a fim de impulsionar a ação da empresa na expansão do setor elétrico.
Evidentemente, não há método nesse conjunto de ações lulianas -nem se discute aqui se é adequado abrir a porteira para as teles ou turbinar a Eletrobrás. Não há também orientação "ideológica" unívoca, digamos. Há oportunismos óbvios e de mau odor, como no caso das teles.
Há idiotices fisiológicas e também de mau odor, como manter os portos, as Docas, sob controle estatal, um negócio que não funciona, no qual o governo pretende botar dinheiro que poderia ser investido alhures -e se quer usar o BNDES para arrumar as dívidas dessas empresas loteadas entre a politicalha.
Lembre-se ainda de que o governo é sócio mais ou menos estratégico de parte relevante do setor privado.
Dos 97 maiores grupos industriais, 59 deles nacionais, o Estado tem participação acionária no controle ou interesses em ao menos 20 deles, por meio do BNDESPar ou de fundos de pensão de estatais, politicamente controlados pelo governo. São empresas de alimentos, têxteis, metalurgia, mineração, siderurgia, aviões, veículos, material de construção, petroquímica etc. Nos 44 maiores do setor de serviços, o Estado está em 12, a maioria empresas de energia elétrica e teles. A conta foi feita com base na lista de maiores empresas da revista "Grandes Grupos", publicada pelo "Valor".
Muitas dessas participações são resultado da politização das privatizações sob FHC, programa, aliás, subsidiado pelo Estado. O vício é mantido com satisfação por Lula.
Decerto fundos de pensão têm de investir seu dinheiro do modo mais rentável possível, e o BNDES não pode, de súbito, jogar no mercado suas participações. Mas ainda há privatizações por fazer (portos, aeroportos, estradas, ferrovias). E fundos públicos ou "parapúblicos" podem ter destinação melhor, como em inovação tecnológica, pesquisa científica, setores novos, de ponta, que inexistam e sejam viáveis no país, e não em fábricas de chapas, ônibus, camisetas ou salsichas.
Por fim, o governo age como uma firma de "private equity" ou de consultoria e assessoria de investimentos, o que não é, numa politização do mercado na maior parte indevida, obscura e que vai dar em besteira.


vinit@uol.com.br

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