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Mídia dos EUA debate conteúdo pago
Analistas, jornalistas e empresas avaliam possibilidade de cobrança por noticiário on-line, adotada por poucas publicações
Iniciativa faz parte de
discussão maior sobre uma
indústria com 100 milhões
de leitores e US$ 55 bilhões
de faturamento anual
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
No dia seguinte à final do
campeonato de futebol americano, que é o principal evento
esportivo dos EUA, no início
deste mês, os maiores jornais
do país amanheceram com
uma página inteira de anúncio
ilustrada por uma bola oval feita de papel-jornal. "Mais pessoas lerão jornais hoje do que
assistiram ao jogo ontem", dizia o texto amarelo sobre fundo
azul.
Não era mentira. Segundo
dados do instituto Nielsen, 98,7
milhões de espectadores viram
pela TV o time de Pittsburgh
bater o do Arizona. Pois, de
acordo com o Newspaper Project, a organização que pagou os
anúncios, 100 milhões de norte-americanos em média leem
jornais ou acessam seus sites
todos os dias. É um universo
nada desprezível de pessoas
que inclui 1 em cada 3 habitantes do país.
"Reconhecemos os desafios
que os jornais enfrentam hoje,
em que a indústria da mídia
muda rapidamente", disse
Donna Barrett, diretora do projeto, criado recentemente por
executivos de imprensa para
circular novas ideias sobre um
setor que apenas nos EUA fatura US$ 55 bilhões por ano. "Rejeitamos, no entanto, a noção
de que os jornais e seu conteúdo valioso feito por jornalistas
não tenham futuro."
O anúncio e a fundação da organização fazem parte da contrainsurgência que começa a
ganhar corpo nos EUA, de analistas, jornalistas e empresários
que discutem e propõem novas
soluções para um modelo de
negócios em crise, sim, mas recusam a ideia propagada principalmente por blogs e publicações on-line de que o fim dos
jornais está próximo.
O "movimento", se pode ser
chamado assim, ganhou visibilidade com reportagem de capa
da revista "Time" da semana
retrasada. Assinada por Walter
Isaacson, defendia a volta da
cobrança pelo acesso às versões
on-line dos diários norte-americanos, que hoje, com exceção
do "Wall Street Journal" e poucos outros, são gratuitas.
No texto, Isaacson, ex-editor
da revista e atualmente presidindo o Aspen Institute, centro
de pensamento baseado em
Washington, sugeria que fosse
aplicado aos artigos e publicações o modelo utilizado pela
Apple na loja virtual iTunes, em
que cada música é vendida separadamente, por US$ 0,99,
que o internauta paga com um
clique de mouse.
Pensamento no ar
A loja surgiu em 2001, quando a venda de CDs começou a
despencar no mundo. Desde
então, vendeu perto de 4 bilhões de músicas, com um faturamento em dólares próximo
dessa cifra -a Apple não revela
os números exatos. A variação
"iNews" de Isaacson apenas colocou em ordem um pensamento que já estava no ar.
Bill Keller, editor-executivo
do "New York Times", dissera
dias antes, durante bate-papo
com leitores, que o jornal mais
prestigioso do mundo não descartava a hipótese de cobrar
por seu conteúdo on-line. Em
troca de e-mail com a Folha, o
jornalista reiterou a informação, de que o modelo "pode valer uma olhada mais de perto".
Outros concordam com ele.
"A notícia pode querer ser de
graça, mas os filhos dos jornalistas querem ser alimentados", disse o empresário Steve
Brill, referindo-se ao lema
"news wants to be free" (de dupla leitura: a notícia quer ser livre e a notícia quer ser de graça). Calcula-se que a operação
anual de captação de notícias
do "New York Times" esteja
em torno de US$ 200 milhões.
Só o escritório em Bagdá
consome algo entre US$ 1 milhão e US$ 3 milhões por ano.
Mantê-lo e fazer jornalismo de
qualidade custa dinheiro que a
venda de anúncios apenas -seja on-line ou no papel- não cobre. "O blogueiro não tem verba para ir ao Iraque nem paciência para cobrir a sessão interminável da Assembleia Legislativa", diz Brill, criador da
CourtTV e do "Brill's Content",
por um tempo importante revista sobre mídia (leia entrevista nesta página).
"É razoável levantar essa
questão de pagar por conteúdo
nesse momento, embora eu
não ache que seja uma discussão que vá se resolver tão cedo", disse à Folha Rick Edmonds, analista da indústria
jornalística do Poynter Institute, baseado na Flórida. Uma
das alternativas seria cobrar de
alguns leitores por um serviço
"premium" e oferecer um pacote gratuito básico aos outros,
algo que o "Times" já tentou.
Outros ainda sugerem fazer
do problema parte da solução:
começar a cobrar royalties de
sites agregadores de notícias
como o Google News, que existem quase exclusivamente graças ao conteúdo gerado por
empresas tradicionais. "A tese
de que "informação quer ser livre" é absurda quando o mecanismo de entrega [das notícias]
está ganhando uma fortuna e
os criadores estão recebendo
perto de nada", escreveu Peter
Osnos, da The Century Foundation, baseada em Nova York.
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