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ARTIGO
Acordos mundiais de comércio estão em beco sem saída
JOSEPH STIGLITZ
A recusa de um acordo por
um bloco de emergentes na
recente conferência comercial de
cúpula em Cancún representou
uma vitória para a democracia.
Mas também indica o surgimento
de uma ordem comercial diferente para melhor -ou para pior-
da que foi construída ao longo das
últimas décadas.
A tática dos negociadores norte-americanos em conferências de
cúpula sempre funcionou assim:
"Sabemos que os imensos subsídios que concedemos aos nossos
fazendeiros não fazem sentido.
Também estamos tentando nos
livrar deles. Mas nossas mãos estão atadas, politicamente, pelo
Congresso dos EUA. O que podemos fazer? Vamos chegar a um
acordo sobre as demais questões,
por exemplo o acesso aos mercados de capitais, e trataremos do
comércio internacional de produtos agrícolas quando isso for viável em termos políticos".
Mas o que aconteceu em Cancún foi que democracias como
Brasil, África do Sul e Índia retrucaram com o seguinte argumento: "Nossas mãos também estão
atadas. Sem acordo. Se voltarmos
para casa com um tratado, sob a
OMC (Organização Mundial do
Comércio), tão ruim quanto
aquele que assinamos na Rodada
Uruguai -e que nos custou empregos-, serão os nossos cargos
que estarão em risco".
Antes de Cancún, os países em
desenvolvimento vinham pressionando por um processo de negociação mais aberto e transparente. Mas os EUA e a Europa recusaram a idéia. Desde o começo,
portanto, os países em desenvolvimento estavam preocupados
com a possibilidade de que surgissem pressões para forçá-los a
um acordo de último minuto.
A resposta de Washington ao
fracasso em Cancún foi dizer que
os países em desenvolvimento é
que perderam e propor novos
acordos bilaterais.
O multilateralismo é, evidentemente, o caminho a percorrer.
Comércio simétrico em todos os
mercados é a melhor solução.
Nem os EUA poderão extrair
muita vantagem de uma abordagem bilateral. Depois de trabalhar
com muito afinco, pode ser que os
norte-americanos consigam assinar acordos de livre comércio
com a Costa Rica, Cingapura e
Chile, o que não terá impacto algum sobre a economia dos EUA,
por se tratar de países pequenos.
Mas, a não ser que os EUA mudem de posição quanto a algumas
questões, pode ser que tenhamos
chegado a um beco sem saída.
As tarifas americanas já são bastante baixas. O maior problema é
a verdadeira legião de barreiras
não-tarifárias, de taxas por dumping a tarifas de salvaguarda para
o aço -consideradas ilegítimas
pela OMC-, passando por "condições sanitárias insatisfatórias",
no caso de alimentos importados.
Nas negociações comerciais, os
EUA, em geral, se recusam a discutir esses temas.
Existem áreas, além disso, em
que os subsídios norte-americanos são um problema, como no
caso da agricultura. As exportações de produtos agrícolas são
muito importantes para os brasileiros. Assim, o que eles têm a ganhar com a assinatura de um
acordo, caso suas commodities
não possam competir nos EUA?
Em resumo, não há muito que
os EUA estejam dispostos a conceder aos países em desenvolvimento nas áreas que os interessam, enquanto ao mesmo tempo
exigem mais desses países, como
a "liberalização dos mercados de
capitais". Na prática, os EUA querem forçá-los a abrir suas economias ao tipo de fluxo especulativo
de capital que foi fator crucial para a crise do Sudeste Asiático.
É verdade que, em Cancún, os
EUA retiraram algumas dessas
exigências na última hora. Mas,
àquela altura, as posições já estavam solidificadas e o prazo para
negociações já tinha esgotado.
Enquanto isso, a resposta dos
países em desenvolvimento envolve procurar alternativas no
chamado "comércio Sul-Sul",
confiando em que haja mais espaço para comércio entre eles caso
não consigam obter o acordo que
desejam com o Norte.
Foi esse o significado da visita
do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva à África do Sul, no começo
de novembro.
Em teoria, evidentemente, há
mais a ganhar com o comércio
Norte-Sul, devido às diferenças
em termos de vantagens comparativas. Mas, da mesma forma
que o comércio Norte-Norte
prosperou, não há dúvida de que
o mesmo pode se aplicar às relações Sul-Sul. Há negociações comerciais em curso entre a China e
os países da Associação dos Países
do Sudeste Asiático (Asean) que
lhe são vizinhos, e entre o Brasil, a
África do Sul e a Índia.
O que está emergindo para
substituir a velha abordagem
multilateral, aparentemente, é um
múltiplo fracionamento do sistema mundial de comércio.
Joseph Stiglitz recebeu o Prêmio Nobel
de Economia em 2001. Seu mais recente
livro é "The Roaring Nineties" [a fervilhante década de 90]. O artigo foi publicado originalmente na "News Perspective Quartely".
Tradução de Paulo Migliacci
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