São Paulo, sábado, 15 de março de 2008

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ARTIGO

Ações de Bernanke não devem bastar para frear crise

Há um limite ao que o Fed pode fazer quando confrontado com o que, cada vez mais, está se configurando como uma das grandes crises financeiras da história

Martinez Monsivais/Associated Press
O presidente do Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos), Ben Bernanke, durante evento ontem em Washington

PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"

HÁ QUATRO anos, um economista acadêmico chamado Ben Bernanke co-escreveu artigo técnico que poderia ter sido intitulado "Coisas que o Federal Reserve Poderia Tentar se Estivesse Em Desespero" -embora isso não fosse evidenciado por seu título real: "Alternativas de Política Monetária no Rumo Zero -Uma Pesquisa Empírica".
Hoje, o Fed está desesperado de fato, e Ben Bernanke, na condição de seu presidente, está adotando algumas das sugestões do artigo. Infelizmente, porém, as ações do Fed de Bernanke -apesar de inéditas em seu alcance- provavelmente não bastarão para frear a espiral descendente da economia.
E, se meu palpite estiver correto, existe outra implicação disso: a economia desagradável da crise financeira não vai demorar a ter efeitos políticos também desagradáveis.
Para compreender o que está acontecendo, é preciso saber um pouco sobre como a política monetária geralmente opera.
O poder econômico do Federal Reserve se baseia no fato de ele ser a única instituição autorizada a aumentar a chamada "base monetária": folhas de papel verde portando retratos de presidentes mortos, somadas a depósitos que bancos privados mantêm no Fed e podem converter em papel verde a seu bel-prazer.
Quando o Fed fica preocupado com o estado da economia, reage, basicamente, imprimindo mais papel verde e usando-o para comprar títulos de dívidas de bancos. Os bancos, então, usam o papel verde para conceder mais empréstimos, o que leva empresas e famílias a gastar mais, e a economia, a se expandir.
Esse processo pode ser quase mágico em seus efeitos: um comitê em Washington passa algumas instruções técnicas a uma corretora de negócios em Nova York, e, de uma hora para outra, a economia gera milhões de empregos.
Às vezes, porém, a mágica não funciona. E agora está sendo uma dessas vezes. Hoje em dia, é raro que uma semana passe sem recebermos a notícia de mais um desastre financeiro. Parte disso é inevitável: não há nada que Bernanke possa ou deva fazer para impedir as pessoas que apostaram na alta eterna dos preços dos imóveis residenciais de perderem dinheiro. Mas o Fed está tentando conter os prejuízos decorrentes do colapso da bolha imobiliária, impedindo-a de provocar uma recessão profunda ou de destruir mercados financeiros que nada tinham a ver com o setor imobiliário residencial.

Imprimir papel verde
Assim, Bernanke e seus colegas vêm fazendo o de costume: imprimir papel verde e usá-lo para comprar títulos de dívida.
Infelizmente, essa política não vem tendo muito efeito sobre as coisas que importam. Os juros sobre os títulos de dívida governamentais diminuíram -mas o caos financeiro faz com que os bancos não se disponham a assumir riscos, e está ficando mais difícil, e não mais fácil, para empresas contraírem empréstimos.
Como resultado, é quase certo que a tentativa do Fed de evitar a recessão tenha fracassado.
E cada nova informação econômica -como a notícia de que as vendas no varejo caíram no mês passado- intensifica o medo de que a recessão seja profunda e prolongada.
Agora, então, o Federal Reserve adota uma das opções sugeridas no artigo de 2004, sobre coisas a fazer quando a política monetária convencional não estiver surtindo efeito. Em lugar de seguir sua prática usual de comprar só dívida segura do governo americano, o BC norte-americano anunciou nesta semana que vai verter US$ 400 bilhões -quase metade das reservas disponíveis- em outras coisas, incluindo títulos de dívida garantidos -sim, é isso mesmo- por hipotecas residenciais. A esperança é que isso estabilize os mercados e ponha fim ao pânico.
Oficialmente o Federal Reserve não vai comprar diretamente os títulos lastreados por hipotecas -vai apenas aceitá-los como caução, em troca de empréstimos. Mas não há dúvida de que está assumindo algum risco com hipotecas. Será isso um socorro para os bancos, até certo ponto? Sim.
Mesmo assim, não é isso o que me preocupa. O que me preocupa é que, apesar da escala extraordinária da ação de Bernanke -que eu saiba, nenhum outro banco central de país adiantado já se expôs a tanto risco de mercado-, o Fed ainda não conseguirá controlar a economia. A razão disso é que US$ 400 bilhões soam como muito dinheiro, mas ainda é pouco em vista das dimensões do problema.
De fato, os primeiros retornos sobre os mercados de crédito vêm sendo decepcionantes. Os indicadores de estresse financeiro, como o "TED spread" (não queira saber o que é), estão um pouco melhores do que estavam antes do anúncio do Fed -mas não muito, e as coisas ainda estão muito longe de terem voltado ao normal.

Alternativa
E se essa iniciativa fracassar?
Tenho certeza de que Bernanke e seus colegas estão freneticamente ocupados estudando outras ações que poderiam adotar, mas há um limite ao que o Federal Reserve -cujos recursos são limitados e cujo mandato não se estende ao resgate de todo o sistema financeiro- pode fazer quando confrontado com o que, cada vez mais, está se configurando como uma das grandes crises financeiras da história. Caberá aos políticos decidir os próximos passos.
Houve tempo em que eu pensava que os maiores problemas que o próximo presidente enfrentaria seriam como sair do Iraque e o que fazer em relação à saúde. Nesse ponto, porém, desconfio de que o maior problema da próxima administração será decidir que partes do sistema financeiro socorrer, como pagar as contas para fazer a faxina da confusão criada e como explicar suas ações a um público enfurecido.


PAUL KRUGMAN, economista, é colunista do "New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA).

Tradução de CLARA ALLAIN


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