Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Quem não fazia acordo sofria represália"
Empresário que diz ter ajudado a formar cartel no setor da laranja nos anos 90 relata como fabricantes de suco agiram
Para Dino Tofini, que foi produtor de suco de laranja e hoje planta cana, punição é necessária porque "cartel permanece até hoje"
DA REPORTAGEM LOCAL
Dino Tofini, ex-dono da empresa CTM Citrus, afirma que
os fabricantes de suco de laranja que quisessem sair ou não
participar do suposto cartel da
indústria de suco de laranja sofriam represálias das empresas
maiores. A seguir, a continuação da entrevista concedida na
semana passada.
(FF e CR)
FOLHA - Qual era a represália feita
a quem não quisesse participar do
suposto cartel?
DINO TOFINI - Levantar o preço
da fruta a níveis absurdos para
que o empresário [indústria]
não pudesse comprar a laranja.
FOLHA - O sr. concordou com essa
prática na época?
TOFINI - Não só concordei como também trabalhei a favor,
porque era muito interessante
para mim como industrial.
FOLHA - Quanto o sr. ganhou com
o suposto cartel no setor?
TOFINI - O que ganhei foi a disponibilidade de ter o produto.
A minha empresa na época foi
beneficiada, sim. Se eu não
cumprisse o acordo, teria que
brigar com o Cutrale, por
exemplo. Eu oferecia um preço
para o produtor, e ele oferecia
mais, era uma guerra total.
FOLHA - O sr. acha que as indústrias que participaram do suposto
cartel devem ser punidas?
TOFINI - É justo que elas sejam
punidas. O cartel precisa acabar em benefício do Brasil, se é
que ainda há tempo para isso.
FOLHA - O cartel existe até hoje?
TOFINI - O cartel permanece até
hoje, não há dúvida. Não tem
mais as tradicionais reuniões às
quartas-feiras, mas eles se falam às quintas-feiras, às sextas-feiras. Eles se falam muito, o
conceito do cartel se mantém
vivo, já está incutido no sistema
da indústria de suco.
FOLHA - Como o sr. sabe disso, já
que não está mais no setor?
TOFINI - Depois que vendi a
empresa, nós continuamos
com a produção de laranja. Tínhamos contrato com a Cargill
e foi interrompido justamente
por discordar de preços que a
empresa queria nos pagar. Tive
de refazer contrato para vender
a laranja por preço menor e engolir o prejuízo. Essa situação
resultou em uma ação que movemos hoje contra a Cargill.
FOLHA - O suposto cartel também
ocorria para definir preços para a
venda do suco no exterior?
TOFINI - Sim, o cartel atuava
tanto no mercado interno como no externo. A venda do suco
lá fora era só para quem o cartel
quisesse. Eles faturam horrores na Bolsa Mercantil de Nova
York porque o cartel tem todas
as informações. Quando o preço cai, eles retiram 800 mil toneladas de suco do mercado e
os preços voltam a subir.
FOLHA - A SDE investiga o setor
desde 2006, quando houve a operação Fanta [técnicos da SDE e policiais
federais cumpriram mandado de
busca e apreensão de documentos
em indústrias de suco de laranja]. Há
demora nas investigações?
TOFINI - Acho que as investigações estão caminhando tanto
que os Cutrale já nem moram
mais no Brasil.
FOLHA - As indústrias de suco têm
"offshore" (empresa que funciona
em paraíso fiscal) fora do Brasil?
TOFINI - Todos os fabricantes
de suco têm "offshore" para administrar os recursos financeiros que sobram. Uma empresa
não consegue trabalhar no
mercado externo sem ter estrutura interna. Essas indústrias
têm bilhões de dólares lá fora.
FOLHA - O Ministério Público de SP
enviou documento ao Departamento de Justiça americano para que os
EUA também investiguem as empresas que exportam suco para lá.
Eles devem investigar o setor?
TOFINI - Devem e vão abrir uma
auditoria, tenho certeza. E isso
vai "embananar" todo o setor
no país. O Brasil será punido.
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Frases Índice
|