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Lições para crescer
GESNER OLIVEIRA
Há um vazio de propostas de
como retomar o crescimento
sustentado na América Latina. No
caso do Brasil, a campanha presidencial deveria servir para a apresentação de novos projetos. Ou para deixar claro aquilo que não deveria ser feito. Se o erro em política
econômica é inevitável, que pelo
menos seja original.
É útil, nesse sentido, recente livro
publicado pelo Banco Mundial,
cuja tradução do título em inglês é
"Crescimento Econômico nos
Anos 90: Aprendendo a Partir de
uma Década de Reformas". Trata-se de balanço das principais mudanças da década passada e seus
efeitos nas mais diferentes áreas
de política pública.
Há avaliações sobre os resultados da liberalização financeira,
comercial e das reformas previdenciárias, entre outras temas.
Tome-se, por exemplo, a privatização e a regulação dos serviços de
utilidade pública, como eletricidade, telecomunicações e estradas.
Há uma grande decepção com
os resultados. Com exceção de telecomunicações, os resultados em
termos de investimento foram pífios. No período de 1990-02, nada
menos do que US$ 805 bilhões de
recursos foram destinados a operações em setores de infra-estrutura em países em desenvolvimento,
dos quais US$ 397 bilhões ingressaram na América Latina e Caribe. No entanto, conforme constatado por Calderón, Easterly e Serven, verificou-se uma redução no
investimento em capacidade de
infra-estrutura como proporção
do PIB na América Latina após a
privatização. E isso ocorreu de forma generalizada, afetando não
apenas o Brasil mas o México, a
Argentina, a Bolívia, o Peru e até
mesmo o Chile.
Como explicar? Para onde foi o
dinheiro? Ocorre que mais da metade dos recursos ingressou sob a
forma de aquisição de empresas, e
não mediante investimentos em
novas unidades produtivas. As dificuldades na conjuntura internacional no final dos anos 90, a revisão para baixo na perspectiva de
crescimento das economias emergentes e a balbúrdia regulatória
na maioria dos países reduziram
as perspectivas de ganho e, conseqüentemente, o valor das empresas adquiridas.
A excepcional conjuntura mundial dos últimos anos e a retomada da expansão pelos emergentes
abrem nova janela de oportunidade. Se não for aproveitada, ocorrerão novos gargalos, como o da crise energética do Brasil de 2001. Daí
a importância de três lições sugeridas pelo estudo do Banco Mundial.
Em primeiro lugar, não se deu a
devida importância à qualidade
dos reguladores e em particular à
sua capacidade de induzir maior
competição e acesso à infra-estrutura básica. Aquilo que se temia
ocorreu. Alguns monopólios estatais foram simplesmente transformados em monopólios privados.
Houve muita preocupação com a
forma das agências e pouca atenção ao seu conteúdo.
Negligenciou-se a formação de
quadros preparados para executar
as novas funções. Na Índia, por
exemplo, foram criadas comissões
reguladoras em cada Estado, mas
na maioria delas os lugares ficaram vagos porque não foi possível
encontrar pessoal qualificado que
se dispusesse a ganhar os baixos
salários do setor público. Isso em
um país no qual a burocracia é sabidamente mais qualificada do
que a média das nações em desenvolvimento.
Em segundo lugar, os parâmetros de preço utilizados pelos reguladores freqüentemente violaram
a racionalidade econômica. Chamam a atenção novamente os preços de eletricidade. Em países como Ucrânia, Rússia, Polônia e
Hungria, os preços estiveram significativamente abaixo do custo
marginal de longo prazo. Isso retira incentivo de reposição do capital investido.
Em terceiro lugar e mais importante, as diferenças de cada país e
de cada setor foram ignoradas.
Um formato de regulação que funciona na Inglaterra pode não ser o
melhor para Bangladesh. Ou mesmo algumas características físicas,
como a relevância da hidreletricidade no Brasil, devem ser levadas
em consideração quando se desenha um modelo regulatório para o
segmento.
A formulação de política regulatória consistente constitui uma
das condições básicas para obter o
crescimento sustentado no Brasil.
A rejeição de modismos e a máxima atenção às peculiaridades locais e setoriais deveriam ser uma
das diretrizes fundamentais para
os próximos anos.
Gesner Oliveira, 49, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), presidente do Instituto Tendências e ex-presidente do Cade. Atualmente, é professor visitante do Centro
de Estudos Brasileiros na Universidade
Columbia (EUA).
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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