São Paulo, sábado, 15 de abril de 2006

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Lições para crescer

GESNER OLIVEIRA

Há um vazio de propostas de como retomar o crescimento sustentado na América Latina. No caso do Brasil, a campanha presidencial deveria servir para a apresentação de novos projetos. Ou para deixar claro aquilo que não deveria ser feito. Se o erro em política econômica é inevitável, que pelo menos seja original.
É útil, nesse sentido, recente livro publicado pelo Banco Mundial, cuja tradução do título em inglês é "Crescimento Econômico nos Anos 90: Aprendendo a Partir de uma Década de Reformas". Trata-se de balanço das principais mudanças da década passada e seus efeitos nas mais diferentes áreas de política pública.
Há avaliações sobre os resultados da liberalização financeira, comercial e das reformas previdenciárias, entre outras temas. Tome-se, por exemplo, a privatização e a regulação dos serviços de utilidade pública, como eletricidade, telecomunicações e estradas.
Há uma grande decepção com os resultados. Com exceção de telecomunicações, os resultados em termos de investimento foram pífios. No período de 1990-02, nada menos do que US$ 805 bilhões de recursos foram destinados a operações em setores de infra-estrutura em países em desenvolvimento, dos quais US$ 397 bilhões ingressaram na América Latina e Caribe. No entanto, conforme constatado por Calderón, Easterly e Serven, verificou-se uma redução no investimento em capacidade de infra-estrutura como proporção do PIB na América Latina após a privatização. E isso ocorreu de forma generalizada, afetando não apenas o Brasil mas o México, a Argentina, a Bolívia, o Peru e até mesmo o Chile.
Como explicar? Para onde foi o dinheiro? Ocorre que mais da metade dos recursos ingressou sob a forma de aquisição de empresas, e não mediante investimentos em novas unidades produtivas. As dificuldades na conjuntura internacional no final dos anos 90, a revisão para baixo na perspectiva de crescimento das economias emergentes e a balbúrdia regulatória na maioria dos países reduziram as perspectivas de ganho e, conseqüentemente, o valor das empresas adquiridas.
A excepcional conjuntura mundial dos últimos anos e a retomada da expansão pelos emergentes abrem nova janela de oportunidade. Se não for aproveitada, ocorrerão novos gargalos, como o da crise energética do Brasil de 2001. Daí a importância de três lições sugeridas pelo estudo do Banco Mundial.
Em primeiro lugar, não se deu a devida importância à qualidade dos reguladores e em particular à sua capacidade de induzir maior competição e acesso à infra-estrutura básica. Aquilo que se temia ocorreu. Alguns monopólios estatais foram simplesmente transformados em monopólios privados. Houve muita preocupação com a forma das agências e pouca atenção ao seu conteúdo.
Negligenciou-se a formação de quadros preparados para executar as novas funções. Na Índia, por exemplo, foram criadas comissões reguladoras em cada Estado, mas na maioria delas os lugares ficaram vagos porque não foi possível encontrar pessoal qualificado que se dispusesse a ganhar os baixos salários do setor público. Isso em um país no qual a burocracia é sabidamente mais qualificada do que a média das nações em desenvolvimento.
Em segundo lugar, os parâmetros de preço utilizados pelos reguladores freqüentemente violaram a racionalidade econômica. Chamam a atenção novamente os preços de eletricidade. Em países como Ucrânia, Rússia, Polônia e Hungria, os preços estiveram significativamente abaixo do custo marginal de longo prazo. Isso retira incentivo de reposição do capital investido.
Em terceiro lugar e mais importante, as diferenças de cada país e de cada setor foram ignoradas. Um formato de regulação que funciona na Inglaterra pode não ser o melhor para Bangladesh. Ou mesmo algumas características físicas, como a relevância da hidreletricidade no Brasil, devem ser levadas em consideração quando se desenha um modelo regulatório para o segmento.
A formulação de política regulatória consistente constitui uma das condições básicas para obter o crescimento sustentado no Brasil. A rejeição de modismos e a máxima atenção às peculiaridades locais e setoriais deveriam ser uma das diretrizes fundamentais para os próximos anos.


Gesner Oliveira, 49, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), presidente do Instituto Tendências e ex-presidente do Cade. Atualmente, é professor visitante do Centro de Estudos Brasileiros na Universidade Columbia (EUA).
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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