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Disputa por óleo e gás é global
CLAUDIA ANTUNES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE CAMBRIDGE (EUA)
A nacionalização das reservas de gás e petróleo da
Bolívia é mais um sintoma do
agravamento da disputa mundial
pelo controle das reservas de combustíveis não-renováveis. O tema
dominou a visita a Washington do
presidente chinês, Hu Jintao, em
abril, e estará na pauta da reunião
do G8 (os sete países mais industrializados e a Rússia) em julho,
em São Petersburgo. Compõe
também o pano de fundo das crises em torno do programa nuclear
do Irã e da matança de civis na
guerra civil em Darfur, no Sudão.
Uma constante na história da exploração comercial do petróleo e
do gás, a competição vem se avolumando com o aumento da demanda da China e da Índia e com a
posição mais assertiva da Rússia
desde que o país emergiu da crise
econômica dos anos 90. Nos EUA,
ganhou um sentido de urgência
depois que a invasão do Iraque
não produziu os resultados esperados -a produção iraquiana está
longe de alcançar os níveis anteriores à Guerra do Golfo, em 1991.
É uma disputa que acontece tanto entre países quanto dentro dos
Estados produtores. Governos como os da Venezuela, da Rússia e
agora da Bolívia reforçam o controle estatal sobre a produção, em
busca de ganhos políticos e estratégicos ou em resposta a pressões
populares por maior participação
nos lucros da exploração. Embora
sozinha a Bolívia tenha peso pequeno no mercado, as parcerias
anunciadas por Hugo Chávez e
Evo Morales aumentam o cacife
da Venezuela, quinto maior fornecedor de óleo cru aos EUA.
"Os principais riscos hoje não se
devem à falta de recursos no subsolo, mas ao que está acontecendo
na superfície: política, geopolítica e
o renascimento em algumas partes do mundo de um "nacionalismo de recursos [energéticos] que
está surfando na onda dos preços
altos", disse Daniel Yergin, presidente da consultoria Cambridge
Energy Research Associates e autor do best-seller "O Petróleo, uma
História de Ganância, Dinheiro e
Poder" (editora Scritta).
Segundo ele, o barril a US$ 70 indica aperto na oferta que configura a "quinta crise do petróleo" desde o fim do século 19. O aperto,
disse, é provocado pela redução da
produção na Nigéria, na Venezuela, no Iraque e no golfo do México
e potencializado pelo temor de que
um ataque americano interrompa
a produção no Irã.
Para os EUA, o problema é que,
enquanto na crise de 1973 o país
importava um terço do óleo que
consumia, agora importa 58%. Já
naquela época, o presidente Richard Nixon lançou o slogan da
"independência energética", mas
as companhias petrolíferas americanas e o governo continuaram
apostando mais fichas na capacidade de garantir a segurança do
fornecimento externo de petróleo.
No início deste mês, dois dias depois de a Bolívia anunciar a nacionalização, o vice-presidente americano, Dick Cheney, fez o discurso em que acusou a Rússia de usar
suas reservas de gás e petróleo como "instrumentos de intimidação
e chantagem" -uma referência
ao corte do fornecimento de gás à
Ucrânia, no final do ano passado.
Cheney esteve em seguida no
Cazaquistão, onde os EUA negociam a construção de gasodutos
que abasteçam diretamente o Ocidente, sem passar pelo território
russo. Pouco antes, a Casa Branca
recebera a visita do presidente do
Azerbaijão, outro país rico em petróleo e gás que tem fronteira com
a Rússia e o Irã. "Posso dizer que
nada me causou maior impacto
como secretária de Estado do que
o modo como a política de energia
está distorcendo a diplomacia ao
redor do mundo", disse Condoleezza Rice ao Comitê de Relações
Exteriores do Senado americano,
em testemunho no mês passado.
Além da Rússia, a política energética tem sido fonte de tensão na
relação entre EUA e China. O país
asiático importa quase a metade
do petróleo que consome e, embora sua participação no mercado seja de 8%, foi responsável por 30%
da alta da demanda desde 2000.
O governo chinês tem se dedicado a garantir acordos de compra e
exploração no oeste da África e na
América Latina -recentemente,
foi um dos países que assinaram
contrato com Cuba para a perfuração de campos no estreito da Flórida, o que provocou declarações
alarmistas de republicanos.
O Irã é o segundo maior produtor da Opep e o terceiro maior fornecedor de óleo cru à China, que
em 2004 assinou contrato de US$
70 bilhões para a exploração do
campo iraniano de Yadavaran. O
Sudão é o sétimo fornecedor de
Pequim. Os EUA têm conflito com
os dois países. Os chineses, ao lado
dos russos, têm resistido à idéia de
aprovar resolução no Conselho de
Segurança da ONU contra o programa nuclear iraniano.
Ao testemunhar na Câmara
americana, Daniel Yergin sugeriu
que o governo americano despolitize o tratamento do assunto e incorpore a China e a Índia a um
projeto global de segurança energética a partir da Agência International de Energia, criada pelos países industrializados ocidentais depois do embargo promovido pelos
produtores árabes em 1973.
Mas existe ceticismo quanto à
possibilidade de os EUA tomarem
essa iniciativa. A disputa pelo controle das reservas energéticas continuará permeando as relações internacionais. As companhias petrolíferas privadas e os governos
dependentes da importação de
combustíveis terão que driblar o
poder dos produtores com a diversificação de parcerias e investimentos em fontes renováveis.
Hoje, excepcionalmente, a coluna
de Marcos Cintra não é publicada.
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