São Paulo, segunda-feira, 15 de maio de 2006

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Disputa por óleo e gás é global

CLAUDIA ANTUNES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE CAMBRIDGE (EUA)

A nacionalização das reservas de gás e petróleo da Bolívia é mais um sintoma do agravamento da disputa mundial pelo controle das reservas de combustíveis não-renováveis. O tema dominou a visita a Washington do presidente chinês, Hu Jintao, em abril, e estará na pauta da reunião do G8 (os sete países mais industrializados e a Rússia) em julho, em São Petersburgo. Compõe também o pano de fundo das crises em torno do programa nuclear do Irã e da matança de civis na guerra civil em Darfur, no Sudão.
Uma constante na história da exploração comercial do petróleo e do gás, a competição vem se avolumando com o aumento da demanda da China e da Índia e com a posição mais assertiva da Rússia desde que o país emergiu da crise econômica dos anos 90. Nos EUA, ganhou um sentido de urgência depois que a invasão do Iraque não produziu os resultados esperados -a produção iraquiana está longe de alcançar os níveis anteriores à Guerra do Golfo, em 1991.
É uma disputa que acontece tanto entre países quanto dentro dos Estados produtores. Governos como os da Venezuela, da Rússia e agora da Bolívia reforçam o controle estatal sobre a produção, em busca de ganhos políticos e estratégicos ou em resposta a pressões populares por maior participação nos lucros da exploração. Embora sozinha a Bolívia tenha peso pequeno no mercado, as parcerias anunciadas por Hugo Chávez e Evo Morales aumentam o cacife da Venezuela, quinto maior fornecedor de óleo cru aos EUA.
"Os principais riscos hoje não se devem à falta de recursos no subsolo, mas ao que está acontecendo na superfície: política, geopolítica e o renascimento em algumas partes do mundo de um "nacionalismo de recursos [energéticos] que está surfando na onda dos preços altos", disse Daniel Yergin, presidente da consultoria Cambridge Energy Research Associates e autor do best-seller "O Petróleo, uma História de Ganância, Dinheiro e Poder" (editora Scritta).
Segundo ele, o barril a US$ 70 indica aperto na oferta que configura a "quinta crise do petróleo" desde o fim do século 19. O aperto, disse, é provocado pela redução da produção na Nigéria, na Venezuela, no Iraque e no golfo do México e potencializado pelo temor de que um ataque americano interrompa a produção no Irã.
Para os EUA, o problema é que, enquanto na crise de 1973 o país importava um terço do óleo que consumia, agora importa 58%. Já naquela época, o presidente Richard Nixon lançou o slogan da "independência energética", mas as companhias petrolíferas americanas e o governo continuaram apostando mais fichas na capacidade de garantir a segurança do fornecimento externo de petróleo.
No início deste mês, dois dias depois de a Bolívia anunciar a nacionalização, o vice-presidente americano, Dick Cheney, fez o discurso em que acusou a Rússia de usar suas reservas de gás e petróleo como "instrumentos de intimidação e chantagem" -uma referência ao corte do fornecimento de gás à Ucrânia, no final do ano passado.
Cheney esteve em seguida no Cazaquistão, onde os EUA negociam a construção de gasodutos que abasteçam diretamente o Ocidente, sem passar pelo território russo. Pouco antes, a Casa Branca recebera a visita do presidente do Azerbaijão, outro país rico em petróleo e gás que tem fronteira com a Rússia e o Irã. "Posso dizer que nada me causou maior impacto como secretária de Estado do que o modo como a política de energia está distorcendo a diplomacia ao redor do mundo", disse Condoleezza Rice ao Comitê de Relações Exteriores do Senado americano, em testemunho no mês passado.
Além da Rússia, a política energética tem sido fonte de tensão na relação entre EUA e China. O país asiático importa quase a metade do petróleo que consome e, embora sua participação no mercado seja de 8%, foi responsável por 30% da alta da demanda desde 2000.
O governo chinês tem se dedicado a garantir acordos de compra e exploração no oeste da África e na América Latina -recentemente, foi um dos países que assinaram contrato com Cuba para a perfuração de campos no estreito da Flórida, o que provocou declarações alarmistas de republicanos.
O Irã é o segundo maior produtor da Opep e o terceiro maior fornecedor de óleo cru à China, que em 2004 assinou contrato de US$ 70 bilhões para a exploração do campo iraniano de Yadavaran. O Sudão é o sétimo fornecedor de Pequim. Os EUA têm conflito com os dois países. Os chineses, ao lado dos russos, têm resistido à idéia de aprovar resolução no Conselho de Segurança da ONU contra o programa nuclear iraniano.
Ao testemunhar na Câmara americana, Daniel Yergin sugeriu que o governo americano despolitize o tratamento do assunto e incorpore a China e a Índia a um projeto global de segurança energética a partir da Agência International de Energia, criada pelos países industrializados ocidentais depois do embargo promovido pelos produtores árabes em 1973.
Mas existe ceticismo quanto à possibilidade de os EUA tomarem essa iniciativa. A disputa pelo controle das reservas energéticas continuará permeando as relações internacionais. As companhias petrolíferas privadas e os governos dependentes da importação de combustíveis terão que driblar o poder dos produtores com a diversificação de parcerias e investimentos em fontes renováveis.


Hoje, excepcionalmente, a coluna de Marcos Cintra não é publicada.


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