|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Os EUA não são a Grécia
PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"
Os ventos não são propícios,
e a crise na Grécia está fazendo
algumas pessoas -que se
opõem à reforma da saúde e estão ansiosas por uma desculpa
para desmantelar o sistema de
Seguro Social- se sentirem
muito, muito felizes.
Para onde quer que olhemos,
há editoriais e artigos de opinião, alguns dos quais tentando
posar como reportagens objetivas, que nos informam que a
Grécia de hoje pode ser os EUA
amanhã, a menos que deixemos de lado essa bobagem de
cuidar dos necessitados.
A verdade é que os EUA não
são a Grécia -e, de qualquer
forma, a mensagem que a Grécia está transmitindo não é
aquela que essas pessoas gostariam de nos fazer acreditar.
Assim, de que maneira EUA e
Grécia são comparáveis?
Os dois países vêm acumulando fortes deficit orçamentários, mais ou menos comparáveis como proporção do PIB.
Mas os mercados os tratam de
maneira muito diferente.
A taxa de juros sobre os títulos do governo grego é mais de
duas vezes superior à que incide sobre os do governo norte-americano, pois os investidores
consideram que o risco de inadimplência grega é muito alto,
enquanto não veem risco de
que o mesmo aconteça nos
EUA. E por quê?
Uma resposta é que os EUA
têm dívida muito menor como
proporção do PIB. É fato que
deveria ser ainda mais baixa.
Mas ainda assim entramos na
crise em situação muito melhor
que a dos gregos.
Ainda mais importante, porém, é o fato de que temos um
caminho claro para a recuperação econômica, o que não se
aplica à Grécia.
Estímulos
Os EUA vêm crescendo desde a metade de 2009, graças ao
estímulo fiscal e às medidas expansivas do Federal Reserve
(Fed, o banco central). Eu preferiria que o crescimento fosse
ainda mais rápido, mas ainda
assim há alta no nível de emprego e isso também se faz sentir na arrecadação tributária.
No momento, estamos a caminho de cumprir as previsões
do Serviço Orçamentário do
Congresso quanto a uma alta
substancial na arrecadação tributária. Se considerarmos essas projeções em companhia
das políticas econômicas do governo Obama, veremos forte
queda no deficit orçamentário
ao longo dos próximos anos.
Já a Grécia está presa em
uma armadilha. Nos anos de
abundância, quando o capital
estava chegando em profusão,
os custos e os preços gregos se
desalinharam completamente
com os do restante da Europa.
Se a Grécia ainda tivesse
moeda própria, poderia restaurar a competitividade por meio
de desvalorização cambial.
Mas, já que não é esse o caso, e
porque abandonar o euro continua a ser considerado impensável, a Grécia terá de enfrentar
anos de dolorosa deflação e
crescimento econômico baixo.
Assim, a única maneira de reduzir o deficit é via cortes ferozes nos gastos, e os investidores
estão céticos quanto à sua implementação prática.
Vale a pena apontar, aliás,
que o Reino Unido -cuja situação fiscal é pior que a dos EUA,
mas, ao contrário da Grécia,
não adotou o euro- continua
capaz de obter empréstimos a
juros relativamente baixos. Ter
moeda própria faz grande diferença, ao que parece.
Em resumo, não somos a
Grécia. Podemos estar registrando deficit de proporção
comparável no momento, mas
nossa posição econômica -e
com ela a nossa perspectiva fiscal- é muito melhor.
Raiz do problema
Isso posto, temos um problema orçamentário em longo
prazo. Mas qual é a raiz do problema? "Nós exigimos mais do
que estamos dispostos a pagar"
costuma ser a descrição usual
da questão. Mas a sentença é
profundamente enganosa.
Primeiro de tudo, quem é esse "nós" de que as pessoas falam? Tenha em mente que o esforço de corte de impostos beneficiou principalmente uma
pequena minoria dos americanos: 39% dos benefícios que
tornar permanentes os cortes
de impostos decretados no governo Bush propiciariam seriam destinados ao 1% mais rico da população.
E tenha em mente, também,
que os impostos estão defasados com relação aos gastos em
certa medida devido a uma estratégia política deliberada, a
de "sufocar o monstro": os conservadores deliberadamente
privaram o governo de recursos
em uma tentativa de forçar os
cortes de gastos que agora insistem ser necessários.
Enquanto isso, se você observar os detalhes das perturbadoras projeções orçamentárias de
longo prazo, perceberá que o
problema central não é um excesso generalizado de gastos.
Em lugar disso, elas refletem
em larga medida só uma coisa: a
suposição de que os custos da
saúde subirão. Isso nos informa
que a chave para nosso futuro
fiscal está na melhora da eficiência de nosso sistema de
saúde -o que, você talvez recorde, é algo que o governo
Obama vem tentando promover, enquanto muitas dos que
agora alertam sobre o perigo
dos deficit se limitam a bradar
"painéis da morte!"
Assim, eis a realidade: a perspectiva fiscal dos EUA nos próximos anos não é má. Temos
um problema orçamentário de
longo prazo, e ele terá de ser resolvido com uma combinação
de reforma da saúde e outras
medidas, entre as quais provavelmente uma alta moderada
de impostos.
Mas deveríamos ignorar os
que fingem estar preocupados
com a responsabilidade fiscal
para ocultar seu verdadeiro objetivo -desmantelar o Estado
de bem-estar social- e que não
hesitam em usar crises estrangeiras para nos forçar a ceder
por medo e fazer o que querem.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Texto Anterior: Tensão: Bombas explodem em cidades gregas Próximo Texto: "NYT" on-line será cobrado em janeiro Índice
|