São Paulo, sábado, 15 de maio de 2010

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ANÁLISE

Os EUA não são a Grécia

PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"

Os ventos não são propícios, e a crise na Grécia está fazendo algumas pessoas -que se opõem à reforma da saúde e estão ansiosas por uma desculpa para desmantelar o sistema de Seguro Social- se sentirem muito, muito felizes.
Para onde quer que olhemos, há editoriais e artigos de opinião, alguns dos quais tentando posar como reportagens objetivas, que nos informam que a Grécia de hoje pode ser os EUA amanhã, a menos que deixemos de lado essa bobagem de cuidar dos necessitados.
A verdade é que os EUA não são a Grécia -e, de qualquer forma, a mensagem que a Grécia está transmitindo não é aquela que essas pessoas gostariam de nos fazer acreditar.
Assim, de que maneira EUA e Grécia são comparáveis?
Os dois países vêm acumulando fortes deficit orçamentários, mais ou menos comparáveis como proporção do PIB.
Mas os mercados os tratam de maneira muito diferente.
A taxa de juros sobre os títulos do governo grego é mais de duas vezes superior à que incide sobre os do governo norte-americano, pois os investidores consideram que o risco de inadimplência grega é muito alto, enquanto não veem risco de que o mesmo aconteça nos EUA. E por quê?
Uma resposta é que os EUA têm dívida muito menor como proporção do PIB. É fato que deveria ser ainda mais baixa.
Mas ainda assim entramos na crise em situação muito melhor que a dos gregos.
Ainda mais importante, porém, é o fato de que temos um caminho claro para a recuperação econômica, o que não se aplica à Grécia.

Estímulos
Os EUA vêm crescendo desde a metade de 2009, graças ao estímulo fiscal e às medidas expansivas do Federal Reserve (Fed, o banco central). Eu preferiria que o crescimento fosse ainda mais rápido, mas ainda assim há alta no nível de emprego e isso também se faz sentir na arrecadação tributária.
No momento, estamos a caminho de cumprir as previsões do Serviço Orçamentário do Congresso quanto a uma alta substancial na arrecadação tributária. Se considerarmos essas projeções em companhia das políticas econômicas do governo Obama, veremos forte queda no deficit orçamentário ao longo dos próximos anos.
Já a Grécia está presa em uma armadilha. Nos anos de abundância, quando o capital estava chegando em profusão, os custos e os preços gregos se desalinharam completamente com os do restante da Europa.
Se a Grécia ainda tivesse moeda própria, poderia restaurar a competitividade por meio de desvalorização cambial.
Mas, já que não é esse o caso, e porque abandonar o euro continua a ser considerado impensável, a Grécia terá de enfrentar anos de dolorosa deflação e crescimento econômico baixo.
Assim, a única maneira de reduzir o deficit é via cortes ferozes nos gastos, e os investidores estão céticos quanto à sua implementação prática.
Vale a pena apontar, aliás, que o Reino Unido -cuja situação fiscal é pior que a dos EUA, mas, ao contrário da Grécia, não adotou o euro- continua capaz de obter empréstimos a juros relativamente baixos. Ter moeda própria faz grande diferença, ao que parece.
Em resumo, não somos a Grécia. Podemos estar registrando deficit de proporção comparável no momento, mas nossa posição econômica -e com ela a nossa perspectiva fiscal- é muito melhor.

Raiz do problema
Isso posto, temos um problema orçamentário em longo prazo. Mas qual é a raiz do problema? "Nós exigimos mais do que estamos dispostos a pagar" costuma ser a descrição usual da questão. Mas a sentença é profundamente enganosa.
Primeiro de tudo, quem é esse "nós" de que as pessoas falam? Tenha em mente que o esforço de corte de impostos beneficiou principalmente uma pequena minoria dos americanos: 39% dos benefícios que tornar permanentes os cortes de impostos decretados no governo Bush propiciariam seriam destinados ao 1% mais rico da população.
E tenha em mente, também, que os impostos estão defasados com relação aos gastos em certa medida devido a uma estratégia política deliberada, a de "sufocar o monstro": os conservadores deliberadamente privaram o governo de recursos em uma tentativa de forçar os cortes de gastos que agora insistem ser necessários.
Enquanto isso, se você observar os detalhes das perturbadoras projeções orçamentárias de longo prazo, perceberá que o problema central não é um excesso generalizado de gastos.
Em lugar disso, elas refletem em larga medida só uma coisa: a suposição de que os custos da saúde subirão. Isso nos informa que a chave para nosso futuro fiscal está na melhora da eficiência de nosso sistema de saúde -o que, você talvez recorde, é algo que o governo Obama vem tentando promover, enquanto muitas dos que agora alertam sobre o perigo dos deficit se limitam a bradar "painéis da morte!"
Assim, eis a realidade: a perspectiva fiscal dos EUA nos próximos anos não é má. Temos um problema orçamentário de longo prazo, e ele terá de ser resolvido com uma combinação de reforma da saúde e outras medidas, entre as quais provavelmente uma alta moderada de impostos.
Mas deveríamos ignorar os que fingem estar preocupados com a responsabilidade fiscal para ocultar seu verdadeiro objetivo -desmantelar o Estado de bem-estar social- e que não hesitam em usar crises estrangeiras para nos forçar a ceder por medo e fazer o que querem.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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