São Paulo, sábado, 15 de maio de 2010

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CESAR BENJAMIN

A crise europeia


Sem moeda própria e com a capacidade de tributar entregue aos credores, a Grécia deixa de ser um Estado

O ALÍVIO decorrente do pacote emergencial de quase US$ 1 trilhão não impedirá que a mais ambiciosa construção institucional da nossa época, a União Europeia, venha a ser submetida a duro teste. Os critérios macroeconômicos estabelecidos pelo Tratado de Maastricht e pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento foram superados pelos fatos.
Com a crise mundial que se agravou no fim de 2008, a maior falha estrutural do projeto -a descoordenação entre uma política monetária conduzida por um banco central continental e políticas fiscais conduzidas em âmbito nacional- tornou-se explícita e, em alguns casos, dramática.
Em 2009, em resposta à crise, os países europeus também recorreram ao receituário tradicional do deficit público, tendo em vista, antes de mais nada, proteger o sistema financeiro. Mas, desprovidos de políticas monetária e cambial próprias, tornaram-se alvos da matilha especulativa que perambula pelo mundo, guiada pelas agências de "rating". Aos mais frágeis restou o amargo remédio que conhecemos bem: corte de gastos e elevação de impostos. Não funcionará.
Nas últimas décadas, quando países periféricos viviam uma crise externa, o FMI lhes impunha políticas fiscais desenhadas para deprimir a demanda interna, de modo a gerar mais excedentes exportáveis, e políticas cambiais destinadas a aumentar a competitividade internacional.
Os custos sociais eram enormes, mas, do ponto de vista econômico, "stricto sensu", havia chance de obter algum resultado, dependendo do desempenho exportador e de seu efeito sobre a retomada do crescimento em algum momento futuro. Havia países em crise, mas o comércio internacional funcionava.
Não é o caso, hoje. Em 2009, o comércio internacional diminuiu 11% em quantidade e 25% em valor. Com a estagnação batendo às portas dos EUA, do Japão e da própria Europa, a recessão que se impuser a qualquer país não será resolvida pelas exportações, a menos que ele seja um grande cliente da China e da Índia, cujas economias não interromperam suas trajetórias de crescimento. Não é o caso da Grécia e dos países do sul da Europa, que se veem diante de um retrocesso econômico sem saída visível.
Ao decidir ir ao mercado para adquirir títulos dos governos europeus mais fragilizados, o Banco Central Europeu rompeu a institucionalidade fiscal-monetária em vigor, o que mostra a gravidade da crise. Adiou a moratória, protegeu os credores e deu fôlego ao euro, mas não apontou um caminho viável para as sociedades. Sem a saída exportadora, a deflação, a recessão e a queda na receita pública podem simplesmente se realimentar, numa espiral de empobrecimento que provavelmente não evitará uma moratória futura, em piores condições.
Sem moeda própria, sem controle sobre o câmbio e com a capacidade de tributar entregue aos credores, a Grécia deixa de ser um Estado. Passa a ser um território governado por burocracias não eleitas, aquarteladas na União Europeia e no FMI, cujas lealdades são outras. Resta saber o que o povo grego achará disso tudo.
Se processo semelhante atingir Portugal, Espanha, Irlanda e Itália, a União Europeia estará em perigo. Cada trilhão liberado pelos governos -ou, no caso brasileiro, cada novo aumento nas taxas de juros- sacia a fome dos lobos, mas no momento seguinte os torna ainda mais agressivos.
Despeço-me dos leitores da Folha neste espaço, mas prossigo a colaboração com o jornal em áreas, talvez, mais amenas.


CESAR BENJAMIN , 55, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.

cesarben@uol.com.br


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