São Paulo, domingo, 15 de junho de 2008

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Agências precisam de pressão, diz professor

Para especialista, sem a cobrança de governos, consumidores e empresas, agências reguladoras como a Anac não funcionam bem

Outros vêem independência em relação ao Executivo como qualidade essencial para assegurar planos de longo prazo para os setores

JANAINA LAGE
DA SUCURSAL DO RIO

DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL

A denúncia da ex-diretora da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) Denise Abreu sobre a interferência da Casa Civil nas decisões da autarquia durante o processo de venda da VarigLog e da Varig trouxe à baila mais uma vez a discussão a respeito dos limites para a atuação do governo nas agências reguladoras.
O especialista Ronaldo Fiani, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), defende a intervenção. "Criou-se uma convicção generalizada de que agência reguladora não deve sofrer pressões. Agência que não sofre pressão regula mal. Ela tem de ser pressionada por consumidores, empresas e até pelos governos, se atua de forma lenta. A questão é o tipo de pressão que pode ser feita", diz o professor.
Na opinião de Fiani, o modelo regulatório brasileiro é contraditório e confuso. No caso específico da Anac, aponta o estudioso, isso fica bastante claro quando se analisam as suas funções: elas são divididas com a Aeronáutica e a Infraero, o que dificulta a atribuição de responsabilidades e contribui para fragilizar institucionalmente a agência.
Já Paulo César Coutinho, da UnB (Universidade de Brasília), acredita que o modelo teve um projeto adequado -a implantação errada é que enfraquece as agências e as leva a apresentar desempenho muito irregular.
Um dos maiores problemas, na sua visão, é justamente a ingerência do Poder Executivo. Tais excessos têm fundo ideológico, para o especialista. "O PT sempre foi contra as privatizações. O entendimento do partido é que, uma vez que os setores foram privatizados, o governo precisaria ter um controle sobre eles. A independência das agências vai contra a maneira centralizada com que o PT gere o Estado", afirma.
"Também havia a idéia de que, como os antigos diretores das agências haviam sido indicadas por Fernando Henrique Cardoso, essa seria uma forma de o ex-presidente usurpar a implementação do programa de governo de Lula e a gestão de setores estratégicos da economia do país."
Outro defeito decorrente da maneira como as agências foram estabelecidas, de acordo com Coutinho, é a indicação, para os seus quadros, de profissionais que não ostentam a formação adequada. "Em outros países, a aprovação, pelo Congresso, dos nomes sugeridos pelo governo é feita criteriosamente. No Brasil, temos uma análise superficial. Alguns diretores, ao assumir, não tinham praticamente nenhuma experiência na área na qual iam trabalhar", afirma o professor.
Sobre a hipótese de a ministra Dilma Rousseff ter determinado a criação de um plano de contingência, como relatou Abreu, Fiani afirma que isso seria uma atribuição da Anac.
"A lei da Anac é vaga. Cria zonas de sombra e, como o governo tem horror a vácuo, começa a ocupar espaços em que não há definições claras. Mais do que um caso de interferência do governo, o que aconteceu foi um conflito institucional", diz.
O especialista da UFRJ concorda que a interferência do governo nas agências reguladoras já se tornou uma tradição no governo. Ele cita como exemplo a crise do racionamento de energia em 2001. "Na época, a Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] foi posta à margem. Sempre que há uma crise, as agências são colocadas de lado porque representam o elo mais fraco", diz. O mesmo ocorreu na crise do setor aéreo, segundo a sua avaliação.
Garantir a independência dessas autarquias é fundamental, frisa Coutinho, pela importância do papel exercido por elas. "Os setores regulados são muito concentrados e pouco sensíveis a preços. É preciso achar um equilíbrio entre atrair investidores e cobrar valores justos da população. Por isso, as agências necessitam de uma diretoria focada no longo prazo, que não esteja sujeita aos interesses políticos do momento", afirma.


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