São Paulo, segunda-feira, 15 de julho de 2002

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FOLHAINVEST

Desde 1995, instituições desviam recursos das cadernetas, que deveriam financiar habitação, para o FCVS

Bancos engordam lucros com poupança

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

Quase a metade dos recursos que o pequeno investidor deposita na caderneta de poupança está sendo usada para engordar os já imensos lucros dos bancos, desde o final de 1995.
Em março de 2002, último dado disponível no Banco Central, R$ 45,4 bilhões foram destinados ao crédito imobiliário para o qual devem ir, por lei, 65% dos recursos da poupança.
Mas todo esse dinheiro, além de corresponder a apenas 46,53% dos R$ 97,5 bilhões do saldo depositado nas cadernetas, não financiou um tijolo sequer no setor habitacional. O valor corresponde ao crédito que os bancos têm com o FCVS (Fundo de Compensação de Variações Salariais), criado no passado para cobrir o saldo devedor dos mutuários do SFH (Sistema Financeiro da Habitação) ao final dos contratos.
Por meio de um artifício contábil, sacramentado pela lei nš 10.850/97, os bancos contabilizam os créditos que têm com o FCVS como financiamento à construção de habitações. Com um agravante: no caso dos grandes bancos privados, os créditos com aquele fundo já foram resgatados em 1995, mas continuam sendo contabilizados com o BC como "aplicações imobiliárias". Tudo dentro da mesma lei.
A jogada contábil é resultado de um acordo fechado naquele ano entre os bancos e o CMN (Conselho Monetário Nacional), em torno do Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação).
Na época, seis grandes bancos, a maioria privados, venderam os créditos do FCVS com deságio de 50% para bancos em liquidação. Embolsaram o dinheiro e registraram grandes lucros. Em troca do desconto, ganharam o direito de continuar contabilizando os créditos virtuais como reais, incluindo-os no cômputo das "aplicações imobiliárias".
Segundo dados do BC, o volume de recursos destinado, realmente, a tais aplicações corresponde a 32,77% do saldo total da poupança. A aplicação, porém, é desigual.
Um levantamento feito pela ABM Consulting, a pedido da Folha, mostra que, nos dois últimos balanços anuais dos principais bancos do país, os financiamentos imobiliários recebem entre 5% e 37% do saldo da poupança dessas instituições.

Caldeirão
E aonde tem ido parar o dinheiro captado do poupador a uma remuneração mínima, que em junho foi de 0,65% e no final de 12 meses rende cerca de 8%? "Acabou no "grande caldeirão" dos bancos e é aplicado onde rende mais", diz Carlos Coradi, presidente da EFC (Engenheiros Financeiros e Consultores). Esse "caldeirão" é a soma de recursos que entra nos bancos, na forma de depósitos à vista ou a prazo.
Segundo Coradi, a poupança se constitui em um "funding" barato para os bancos que têm, ainda, a liberdade de aplicar 15% dos recursos que captam da forma que lhes convier. "Como o banco capta pagando ao poupador TR mais 6,17% ao ano, tem um "spread" colossal dependendo da destinação do dinheiro", acrescenta. "Spread" é a diferença entre o juro que o banco paga e o que recebe ao conceder crédito.
Segundo Miguel Oliveira, diretor da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), os recursos da poupança que não são usados no crédito imobiliário têm vários destinos: "O dinheiro vai para onde o juro é maior".
Segundo Oliveira, esse "funding" barato acaba financiando a compra de títulos públicos federais pelas tesourarias dos bancos, que rendem 18,5% ao ano. "Só aí o "spread" é de mais de 10% ao ano", diz Alberto Borges Matias, sócio-diretor da ABM Consulting.
Os recursos que sobram da poupança são usados, ainda, segundo ele, para financiar o cheque especial que cobra taxas de 9,86% ao mês (209,08% ao ano), o cartão de crédito, a 10,47% (230,32% ao ano) ou empréstimos pessoais a 5,32% (86,26%), taxas médias praticadas em junho, segundo a Anefac .
Por lei, até 15% do saldo da poupança pode ser aplicado livremente pelos bancos e 20% são recolhidos ao BC, com uma remuneração de TR mais 6,17%. Uma parte dos recursos é aplicada em letras hipotecárias emitidas pela Caixa Econômica Federal e depois repassadas ao mercado.


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