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FOLHAINVEST
Desde 1995, instituições desviam recursos das cadernetas, que deveriam financiar habitação, para o FCVS
Bancos engordam lucros com poupança
SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL
Quase a metade dos recursos
que o pequeno investidor deposita na caderneta de poupança está
sendo usada para engordar os já
imensos lucros dos bancos, desde
o final de 1995.
Em março de 2002, último dado
disponível no Banco Central, R$
45,4 bilhões foram destinados ao
crédito imobiliário para o qual
devem ir, por lei, 65% dos recursos da poupança.
Mas todo esse dinheiro, além de
corresponder a apenas 46,53%
dos R$ 97,5 bilhões do saldo depositado nas cadernetas, não financiou um tijolo sequer no setor
habitacional. O valor corresponde
ao crédito que os bancos têm com
o FCVS (Fundo de Compensação
de Variações Salariais), criado no
passado para cobrir o saldo devedor dos mutuários do SFH (Sistema Financeiro da Habitação) ao
final dos contratos.
Por meio de um artifício contábil, sacramentado pela lei nš
10.850/97, os bancos contabilizam
os créditos que têm com o FCVS
como financiamento à construção de habitações. Com um agravante: no caso dos grandes bancos privados, os créditos com
aquele fundo já foram resgatados
em 1995, mas continuam sendo
contabilizados com o BC como
"aplicações imobiliárias". Tudo
dentro da mesma lei.
A jogada contábil é resultado de
um acordo fechado naquele ano
entre os bancos e o CMN (Conselho Monetário Nacional), em torno do Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação).
Na época, seis grandes bancos, a
maioria privados, venderam os
créditos do FCVS com deságio de
50% para bancos em liquidação.
Embolsaram o dinheiro e registraram grandes lucros. Em troca
do desconto, ganharam o direito
de continuar contabilizando os
créditos virtuais como reais, incluindo-os no cômputo das "aplicações imobiliárias".
Segundo dados do BC, o volume de recursos destinado, realmente, a tais aplicações corresponde a 32,77% do saldo total da
poupança. A aplicação, porém, é
desigual.
Um levantamento feito pela
ABM Consulting, a pedido da Folha, mostra que, nos dois últimos
balanços anuais dos principais
bancos do país, os financiamentos imobiliários recebem entre
5% e 37% do saldo da poupança
dessas instituições.
Caldeirão
E aonde tem ido parar o dinheiro captado do poupador a uma
remuneração mínima, que em junho foi de 0,65% e no final de 12
meses rende cerca de 8%? "Acabou no "grande caldeirão" dos
bancos e é aplicado onde rende
mais", diz Carlos Coradi, presidente da EFC (Engenheiros Financeiros e Consultores). Esse
"caldeirão" é a soma de recursos
que entra nos bancos, na forma de
depósitos à vista ou a prazo.
Segundo Coradi, a poupança se
constitui em um "funding" barato
para os bancos que têm, ainda, a
liberdade de aplicar 15% dos recursos que captam da forma que
lhes convier. "Como o banco capta pagando ao poupador TR mais
6,17% ao ano, tem um "spread" colossal dependendo da destinação
do dinheiro", acrescenta.
"Spread" é a diferença entre o juro que o banco paga e o que recebe ao conceder crédito.
Segundo Miguel Oliveira, diretor da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças,
Administração e Contabilidade),
os recursos da poupança que não
são usados no crédito imobiliário
têm vários destinos: "O dinheiro
vai para onde o juro é maior".
Segundo Oliveira, esse "funding" barato acaba financiando a
compra de títulos públicos federais pelas tesourarias dos bancos,
que rendem 18,5% ao ano. "Só aí o
"spread" é de mais de 10% ao ano",
diz Alberto Borges Matias, sócio-diretor da ABM Consulting.
Os recursos que sobram da
poupança são usados, ainda, segundo ele, para financiar o cheque especial que cobra taxas de
9,86% ao mês (209,08% ao ano), o
cartão de crédito, a 10,47%
(230,32% ao ano) ou empréstimos pessoais a 5,32% (86,26%),
taxas médias praticadas em junho, segundo a Anefac .
Por lei, até 15% do saldo da poupança pode ser aplicado livremente pelos bancos e 20% são recolhidos ao BC, com uma remuneração de TR mais 6,17%. Uma
parte dos recursos é aplicada em
letras hipotecárias emitidas pela
Caixa Econômica Federal e depois repassadas ao mercado.
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