São Paulo, domingo, 15 de julho de 2007

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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

As cidades e o crime


Cidades mais bem-sucedidas são centros de consumo, e a segurança é um elemento crucial para seu crescimento


UM TIROTEIO entre traficantes do morro do Dendê e PMs provocou no mês passado o fechamento temporário de uma das pistas do aeroporto do Galeão. Esse incidente foi uma contribuição pequena para o caos do setor aéreo por que passa o Brasil, mas ilustra a dificuldade de medirmos adequadamente o enorme custo econômico da criminalidade no país. O tempo perdido pelos passageiros ou o dano causado à já sofrível reputação do Rio de Janeiro entre turistas ou investidores potenciais não vão aparecer nas estatísticas sobre o custo da violência no Brasil.
As medições dos custos econômicos diretos do crime já sugerem um quadro assustador. Afinal há cerca de 50 mil vítimas de homicídio a cada ano no país; muitas dessas com 15 a 29 anos de idade. O país perde o produto que o "capital humano" desses jovens poderia gerar. Essas perdas somadas a outras como, por exemplo, os custos hospitalares das vítimas e as despesas com segurança, podem totalizar 5% do PIB, como é estimado em uma recente publicação do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Mas é difícil exagerar o impacto indireto do crime sobre o desenvolvimento das cidades. No passado, as aglomerações urbanas bem-sucedidas eram importantes centros de manufatura e comércio. Mudanças na tecnologia de transporte e comunicação permitiram a descentralização da produção e afetaram profundamente as cidades. Nos Estados Unidos, algumas metrópoles tornam-se a cada vez mais prósperas, enquanto outras, como Cleveland ou Detroit, nunca se recuperaram da perda de empregos em suas indústrias tradicionais.
As cidades americanas que lograram prosperar se converteram em centros de indústrias do conhecimento, que dependem de um acesso rápido à informação e a novas idéias, como software em San Francisco ou a indústria financeira em Nova York. Essas atividades precisam de uma força de trabalho educada, que quer viver em um local com boas escolas, fácil acesso a serviços culturais e diversão e baixa criminalidade. As cidades mais bem-sucedidas hoje são centros de consumo, e a segurança é um elemento crucial de suas estratégias de crescimento.
Estudos empíricos confirmam a importância da segurança para a prosperidade das cidades. Steve Levitt, da Universidade de Chicago, mostrou que nos Estados Unidos a criminalidade tem um impacto negativo no crescimento das cidades, e um relatório preliminar do National Bureau of Economic Research, documenta que também no Brasil, a violência, medida pela taxa de homicídios, afeta negativamente o crescimento das cidades.
A evidência empírica aponta que o baixo nível educacional e a enorme desigualdade são causas relevantes da criminalidade no país, mas também que o alto grau de impunidade dos criminosos tem ainda mais importância. Enquanto nos Estados Unidos em 65% dos homicídios um acusado é levado a julgamento, no Rio de Janeiro menos de 3% desses crimes são elucidados.
Apesar de alguns sucessos, como a queda das taxas de homicídios no Estado de São Paulo neste início de século, as experiências de controle da criminalidade no Brasil têm sido frustrantes. Mas não temos alternativas. No mundo globalizado, as cidades brasileiras competem com aglomerações urbanas em todo o mundo para atrair indústrias do conhecimento. E sem cidades prósperas e vitais o Brasil tem menos chance de se tornar um país realmente desenvolvido.


JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 59, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.

jose.scheinkman@gmail.com


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