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São Paulo, sexta-feira, 15 de agosto de 2003

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LUÍS NASSIF

O câmbio e os cabeças de planilha

Uma das maiores extravagâncias dos cabeças de planilha do mercado financeiro foi a abolição da variável câmbio de seus modelitos. É o mais importante preço da economia, é fundamental para resolver a questão da vulnerabilidade externa brasileira, para garantir uma melhor presença do país no mercado internacional, mas eles se comportam como se o câmbio fosse uma derivada de outras políticas.
Se o Banco Central trabalha com o nível de reservas cambiais de US$ 15 bilhões, o valor do câmbio é um; se aumenta as reservas, o valor do câmbio é outro. No próprio ato de definir o volume das reservas cambiais o BC interfere no câmbio. E como é que se ousa dizer que não é papel de governo definir o nível do câmbio?
Recentemente, o economista-chefe de grande banco -em um seminário em que estava presente o economista José Alexandre Scheinkman- enalteceu a performance da economia brasileira, que, no ano passado, conseguiu equilíbrio nas contas correntes com o aumento expressivo das exportações. Atribuiu ao recém-descoberto ímpeto, engenho e arte do exportador brasileiro. No ano passado não houve nenhuma revolução tecnológica, nenhuma inovação, não se lançaram marcas brasileiras no mercado, não se lançaram novos produtos com valor agregado, a recessão mundial acirrou a competição entre países. A única variável que mudou no Brasil foi o preço, o câmbio, que se desvalorizou. Só provocado o economista admitiu a influência do câmbio. Nenhuma palavra sobre o que significaria para as contas externas a apreciação do câmbio para não ter que discutir a inevitabilidade ou não de uma nova desvalorização cambial -depois de o BC ter jogado fora a desvalorização que recebeu.
Uma das alegações dos cabeças de planilha é sustentar que o país não pode perseguir superávits comerciais elevados -fundamentais para eliminar a volatilidade cambial- porque significaria uma recessão cavalar. Pode-se obter superávits no curto prazo ou com recessão ou desvalorizando a moeda. Como não existe desvalorização cambial no seu modelo, só conseguem conceber superávits comerciais com recessão.
Em geral, sua retórica repousa em sofismas rasos. O primeiro é que o país tem que buscar o aumento das exportações por meio de aumento de produtividade, competitividade, inovação etc. Apenas se esquecem de explicar que agregar valor à exportação não é questão de querer, é de poder e leva tempo, anos, décadas. Enquanto não há essas condições, ou se equilibram as contas mantendo a recessão ou com uma desvalorização controlada do câmbio.
Todos os casos bem-sucedidos de inserção global das últimas décadas começaram por um câmbio que assegurava preços baixos para, gradativamente, com o impulso inicial, ir se avançando em pesquisas e inovação. Esses cabeças de planilha apregoam um mundo ideal ao qual se chega num passe de mágica, sem processos intermediários pela frente.
Nem São Roberto Campos, Santo Octávio de Gouvêa de Bulhões e São Celso Furtado juntos conseguiriam salvar o país da lógica desse povo.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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