São Paulo, domingo, 15 de agosto de 2004

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BARRIL DE PÓLVORA

Óleo supera valor de referência desde 2003; organização adiou alta da produção e perdeu controle de preço

Impotente, Opep vê recordes do petróleo

Han Guan - 24.mai.04/Associated Press
Operário chinês trabalha em unidade na PetroChina; o petróleo superou na semana que passou a barreira de US$ 45 em Nova York


DO "NEW YORK TIMES"

Depois que os preços do petróleo caíram para a casa de US$ 9 por barril, em 1998, a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) demonstrou notável disciplina, restringindo a produção e administrando o suprimento para conduzir o petróleo de volta ao piso de US$ 22 o barril e mantê-lo ali.
Mas a política de seis anos atrás está em desordem hoje porque os 11 membros do cartel parecem incapazes de cumprir a outra metade da barganha a que se impuseram -manter o preço de referência abaixo de US$ 28 o barril.
O petróleo cru para entrega no mês que vem, o mais acompanhado dos preços do produto, fechou a US$ 46,58 em Nova York na sexta-feira, batendo o terceiro recorde na semana; no fechamento da sexta anterior, o preço era US$ 43,95 o barril.
A cesta de referência com vários tipos de petróleo utilizada pela Opep, que inclui variantes menos procuradas, atingiu US$ 40,76 o barril na quinta-feira, 41% a mais do que um ano antes.
Não há muito o que mesmo a Arábia Saudita, maior produtor da Opep, possa fazer. O ministro saudita do Petróleo, Ali al-Naimi, tentou na quarta-feira reassegurar aos mercados que havia petróleo suficiente disponível, anunciando que o reino havia ampliado sua produção em um milhão de barris por dia nos últimos três meses, para 9,3 milhões de barris diários, e que poderia rapidamente extrair 1,3 milhão de barris adicionais por dia, se necessário. Os operadores não deram importância à declaração e conduziram os preços a uma nova alta.
"Para mim, isso foi um sinal muito positivo do mercado", disse Thomas Bentz, analista-sênior de petróleo do BNP Paribas. "Todo mundo sabe que a Opep atingiu sua plena capacidade."
Depois da queda de Saddam Hussein no Iraque, os ministros da Opep passaram a se preocupar com a possibilidade de que uma volta rápida do petróleo iraquiano ao mercado causasse uma queda de preços. Isso aconteceu antes que a sabotagem e a insurreição inabalável contra a ocupação do país causassem o fechamento do oleoduto que conduz as exportações iraquianas de petróleo pelo território da Turquia, prejudicando a reabilitação da indústria petroleira do Iraque.

Estratégia
A última coisa que o cartel desejava fazer depois da invasão do Iraque era colocar petróleo demais no mercado. Os ministros da Opep se recordavam da última vez em que isso havia acontecido, em novembro de 1997, quando decidiram, em reunião em Jacarta, que elevariam seu limite de produção em 10%.
O momento da decisão se mostrou desfavorável, porque a Ásia estava entrando em crise econômica e um novo programa das ONU permitia ao Iraque retomar suas exportações petroleiras. Ao final de 1998, o preço de referência da Opep caíra para US$ 9,13 o barril, sua marca mais baixa desde o ano de 1986.
Determinada a não repetir a experiência, a Opep reduziu seu limite de produção três vezes nos meses que se seguiram ao colapso de Saddam, em 2003, em um total de 3,9 milhões de barris ao dia. Só em junho deste ano a organização enfim decidiu reverter o curso e concordou, na reunião em Beirute, em elevar seu limite de produção a 26 milhões de barris diários. A Opep realizou mais duas reuniões ministeriais, desde então, e cancelou uma terceira sem tomar medidas novas. A próxima reunião está marcada para 15 de setembro, em Viena.
"A Opep estava preocupada com uma repetição de Jacarta", afirmou Jay Saunders, analista do Deutsche Bank de Nova York. Agora parece claro que, diz Saunders, "cometeram um erro".

Ingredientes
É certo que muitos desdobramentos que escapam ao controle da Opep contribuíram para o suprimento mais baixo e os preços mais elevados.
No Iraque, nem as autoridades americanas de ocupação nem a administração interina iraquiana encontraram maneira consistente de restaurar os embarques de petróleo ao nível anterior à guerra.
Na Venezuela, responsável por fornecer cerca de 4% do petróleo mundial, a produção ainda não se recuperou plenamente de uma paralisação imposta por adversários políticos do presidente Hugo Chávez, em dezembro de 2002, à estatal de petróleo do país.
A disputa pode ser retomada hoje, quando os eleitores do país decidirão em referendo se querem que Chávez deixe o cargo. Os operadores de petróleo estão preocupados com a possibilidade de que a inquietação causada pelo referendo perturbe os embarques para os Estados Unidos.
A violência e os conflitos étnicos na Nigéria, maior produtor africano, causaram ataques a instalações petroleiras no ano passado. Cerca de 40% da capacidade de produção do país está fora de uso, de acordo com a agência de informação do Departamento de Energia dos EUA.
E, na Rússia, a maior petrolífera, a Yukos, está envolvida em uma batalha judicial e tributária contra o governo, o que pode prejudicar a produção.
"Temos questões demais no ar", disse Bentz. "A lista é longa. Rússia e Yukos, sabotagem no Iraque, furacões no Golfo do México, o referendo na Venezuela. Esses problemas vêm mantendo o preço do petróleo nas alturas."
Um incêndio na refinaria da BP em Whiting, Indiana, foi o motivo para o novo recorde na sexta, e havia poucos indícios de fatores que pudessem reverter a tendência a curto prazo. "É um mercado em alta disparada desde abril do ano passado, quando a guerra terminou", disse Bentz. "Nem mesmo a Opep é capaz de fazer alguma coisa."
As coisas não deveriam ser assim. Em março de 2000, a Opep decidiu adotar um mecanismo de faixa de flutuação para os seus preços, com o objetivo de responder rápida e previsivelmente a oscilações súbitas de demanda. Se o preço de referência da organização sobe acima de US$ 28 por mais de 20 dias, ou cai abaixo de US$ 22 o barril por mais de 10 dias, as regras determinam que o cartel reajuste sua produção para reconduzir os preços ao alinhamento desejado.
Muitos analistas atribuem a essa política o crédito pela fase de estabilidade de que os mercados petroleiros desfrutaram até há pouco. O mecanismo só foi ativado formalmente uma vez, em outubro de 2000, quando a Opep elevou seu limite de produção. De lá para cá, o preço de referência em geral se manteve nos limites da faixa de flutuação, ou perto deles, atingindo média de US$ 23,12 o barril em 2001, US$ 24,36 em 2002 e US$ 28,10 em 2003.

Duas medidas
Mas a organização demonstrou pouca dedicação à aplicação de seus princípios durante a alta deste ano. O preço de referência da Opep está acima de US$ 28, ininterruptamente, desde 2 de dezembro de 2003, mas a organização resistiu durante meses elevar seu limite de produção.
"Fica bastante claro que a Opep optou por empurrar os preços para cima", disse Jamal Qureshi, analista da Petroleum Finance Corp., uma consultoria petroleira de Washington. "Eles gostam de preços elevados, mas as coisas estão no limite; agora, a situação é tensa e está fora de seu controle."
De que maneira a Opep se deixou apanhar desprevenida? Um fator foi a força da demanda, especialmente da China, que excedeu as projeções da Opep e dos analistas. A Agência Internacional de Energia afirmou nesta semana que elevou sua estimativa de demanda para os próximos dois anos. A demanda mundial cresceu 2,2% em 2003 e deve subir 3,2% neste ano, segundo ela.
"O crescimento da demanda vem sendo incrivelmente rápido, e isso distendeu os suprimentos a um ponto mais grave do que qualquer envolvido, até a Opep, esperava", disse Qureshi.
Outro fator negativo é que a maior parte dos países-membros da Opep já está produzindo todo o petróleo que pode, em muitos casos, excedendo suas cotas oficiais. Os produtores não integrados à organização também estão embarcando o máximo de petróleo que conseguem, para aproveitar os preços elevados.
Assim, embora a Opep possa criar uma alta de preços, o mercado aprendeu neste ano que o poder da organização para derrubá-los é quase inexistente.
"A fatia de mercado da Opep vem caindo constantemente já há duas décadas", diz Marcel, da Chatham House. "Com o Iraque e a Venezuela em queda no mesmo trimestre do ano passado, a capacidade da Opep para levar mais petróleo ao mercado foi prejudicada de maneira jamais vista."
Tradução de Paulo Migliacci

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