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OPINIÃO ECONÔMICA
Impeachment sem trauma
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
A crise política atual é de governo, não de Estado, e um
impeachment não implicará
maior crise: apenas fortalecerá a
democracia. As revelações do publicitário Duda Mendonça de que
foi obrigado a constituir empresa
nas Ilhas Cayman para poder receber seus créditos na campanha
de Lula em 2002 e as do presidente
do PL, Valdemar Costa Neto, afirmando que Lula estava a par do
dinheiro que recebeu do PT,
abrem caminho para o impeachment. Já não é mais minimamente possível acreditar que o sistema
de suborno de deputados de outros partidos -organizado por
homens diretamente ligados ao
presidente- e o pagamento de
despesas de sua campanha com
recursos de e para contas "offshore" ocorressem sem que ele soubesse. Mesmo que não tenha arquitetado o sistema de corrupção,
há aqui um problema, se não de
conivência, ao menos de omissão.
Diante da probabilidade cada
vez maior de impeachment, o deputado José Dirceu declarou que,
como na Venezuela de Chávez,
um processo de impeachment levaria o país à "convulsão social",
enquanto o novo secretário-geral
do PT, deputado Ricardo Berzoini, era mais modesto e falava em
"crise econômica".
Embora a Bolsa e a cotação do
dólar tenham reagido imediatamente às revelações de Duda
Mendonça, não há razão para supor que uma crise política de governo resulte em uma crise econômica ou em trauma social. Há
dois tipos de crise política -a de
governo e a de Estado-, e só a segunda provoca crise econômica.
A última grande crise de Estado
ocorrida no Brasil foi a de 1964,
porque naquele momento o sistema capitalista -e, portanto, a
própria estrutura do Estado- estava em risco. Em 2002, houve
uma quase crise de Estado, porque os mercados financeiros, em
nível nacional e internacional,
ainda que equivocados, supunham que um regime chavista se
implantaria no Brasil com a vitória de Lula. Hoje, a crise é grave,
mas é de governo: não há risco
para o sistema de propriedade e
para a própria democracia.
Dada, entretanto, a popularidade que ainda resta a Lula
-que não é desprezível-, poderia haver convulsão social como
aquela que aconteceu na Venezuela quando uma oposição irresponsável procurou derrubar
um presidente igualmente irresponsável? Essa é uma ameaça insubsistente. Se houver o início de
um processo de impeachment no
Brasil, não haverá nada nem longinquamente semelhante ao que
aconteceu em Caracas.
Não é apenas porque a popularidade de Lula já está em queda.
Segundo o Datafolha, desde que
essa crise começou, as intenções
de voto em Lula, quando comparadas com as de José Serra, caíram 11 pontos percentuais, e hoje
ele já perderia no segundo turno
por nove pontos percentuais. Não
é também só porque não pesavam
sobre Chávez indicações de corrupção comparáveis aos fatos escabrosos que estão caracterizando a crise do governo brasileiro.
Muito mais importante é o fato
de que o Brasil não é uma Venezuela. O Brasil, sem dúvida, não é
uma Suíça ou uma Suécia, nem
mesmo uma França ou um Reino
Unido, mas não é uma Venezuela, como esta não é um Haiti. Há
graus de organização social e de
desenvolvimento político. Os países desenvolvidos possuem Estados mais fortes e mais legítimos,
porque apoiados em nações mais
coesas e exigentes do que um país
de desenvolvimento médio como
Brasil, mas nós temos em nosso
país uma economia, uma classe
média, uma sociedade civil, um
sistema jurídico-constitucional e
um aparelho de Estado muito
mais avançados do que os existentes na Venezuela. Conforme
Eliane Cantanhêde escreveu há
uma semana, "alguém precisa explicar ao presidente Lula e ao novo núcleo duro do Palácio do Planalto que o Brasil não é exatamente a Venezuela". Como os
suíços criticam seu regime, apesar
de sua excelência, nós criticamos
o nosso, que está longe de alcançar aquela excelência, mas não
devemos subestimar o grau de democracia e, portanto, de consistência do regime político que já
alcançamos no nosso país.
Chávez é um político irresponsável que está desperdiçando de
forma populista os recursos que o
país obtém com os altos preços do
petróleo, mas conta com o apoio
da massa popular e de setores da
classe média. Por outro lado, a
oposição que o presidente da Venezuela enfrenta é corrupta, tendo sempre vivido das rendas do
petróleo. Aqui, o quadro é completamente diferente, de forma
que, se o impeachment for desencadeado, nada sugere que haverá
uma convulsão social.
Pelo contrário, o que estou prevendo é que, em breve, começaremos a ter manifestações populares pelo impeachment. Muitas
das quais partirão de ex-petistas
indignados porque foram eles os
mais diretamente traídos. Não
importa que, para as classes dirigentes brasileiras, não haja interesse no impeachment. Na prática, a política não é ética, como estamos vendo tristemente neste
momento, mas, no plano dos
princípios, a política, diferentemente da economia, não se pauta
apenas pelos interesses: os valores
morais ou as virtudes republicanas são fundamentais. São esses
valores que estão hoje em jogo.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 71, professor da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "Desenvolvimento e Crise no Brasil:
1930-2002".
Internet: www.bresserpereira.org.br
E-mail - lcbresser@uol.com.br
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