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PAULO RABELLO DE CASTRO
Lições da crise anunciada
Por ter perdido o bonde,
o Brasil não cresceu e,
agora, comemora o fim da
festa, que também perdeu
A INTENSIDADE e a rapidez da
intervenção dos bancos centrais da Europa, do Japão e
dos EUA, desde a quinta passada,
prenunciam os contornos do que
apelidamos de "primeiro confronto
sino-americano do século 21". Convenhamos que o objetivo recorrente
de Henry Paulson, o poderoso secretário do Tesouro dos EUA, ao visitar tantas vezes a China, não é o de
estar fotografando a Grande Muralha ou as paredes vermelho-páprica
da Cidade Proibida.
A questão é cambial. E fica mais
delicada pelo volume de transações
sobre um estoque mundial de ativos
financeiros de US$ 200 trilhões!
A política belicista de George W.
Bush abriu um déficit gêmeo (externo e fiscal) acumulado em US$ 7 trilhões, financiado pela emissão de dívidas do Tesouro americano e papéis de empresas e débitos das famílias (casa própria, automóvel etc).
Outra parte desse imenso déficit é
bancada por emissão de dólares ou
pela venda de ativos de residentes
americanos. A avaliação de risco de
crédito do governo dos EUA continua sendo triplo A. Mas o que dizer
da enorme quantidade de débitos
das empresas e das famílias que se
endividaram em proporção muito
superior às poupanças daquele país
e de seus ganhos de produtividade?
Técnicas sofisticadas de diversificação de riscos ("derivativos de créditos" e "securitização") permitem
empacotar as dívidas dos clientes e
passá-las adiante a aplicadores finais, que, via de regra, nem sabem
qual a exata composição de sua "carteira de riscos". Como o planeta é
uma economia "fechada" e limitada
pela disponibilidade dos elementos
da produção mundial, a grande alavancagem de crédito é disputada,
palmo a palmo, pelas principais nações, que dependem da conjunção
de capitais, talentos humanos, recursos naturais e organização política. Nessa guerra econômico-comercial, capitaneada por chineses e
americanos, não cabem nações sem
projeto definido, como o Brasil. Perde quem ceder espaço produtivo. E o
Brasil tem cedido muito...
Mas, nos EUA, o relativo equilíbrio fiscal e comercial legado por
Clinton foi revertido em suprema
gastança pela gestão imperial de
quem o sucedeu. Alan Greenspan,
do Fed, baixou o juro básico para 1%
entre 2001 e 2004. Contudo, antes
de deixar o Fed, iniciou o "ajuste",
trazendo os juros de volta aos 5%.
O impacto desse movimento é
mais dramático que sua recente descrição, pelo FMI, como "saudável
ajuste de valor de ativos", tampouco
está restrito à esfera imobiliária nos
créditos mais arriscados (subprime). Os devedores, quando constrangidos, apertam todos os itens do
seu orçamento, pois empinaram o
papagaio de suas compras e investimentos ao máximo, por anos. Quanto maior a altura, pior o tombo...
Não se trata, portanto, de mera
"correção", como afirmam analistas
de mercado. O que está em jogo é o
desfecho do "rouba-monte" entre
Ásia e EUA, da China contra o dólar.
Isso é que faz o secretário Paulson
cruzar freneticamente o oceano,
buscando uma aceleração do valor
de moeda chinesa, a fim de acolchoar melhor a "correção" inflacionária do dólar nos EUA.
Por outro lado, a crise não é tão
"assustadora", como acoimou o colega Paul Krugman nesta Folha. Assustadora mesmo é a posição dos
países que afirmam tardiamente,
com equivocado orgulho, estarem
"blindados" da crise. Blindado está
quem não participou do ciclo de
crescimento e prosperidade. Por
ter perdido o bonde, o Brasil não
cresceu e, agora, comemora o fim
da festa, que também perdeu.
PAULO RABELLO DE CASTRO, 58, doutor em economia
pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do
Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora
de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria
econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da
Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
rabellodecastro@uol.com.br
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