São Paulo, sexta-feira, 15 de setembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Brasil gasta mal e "desaponta", diz FMI

Fundo afirma que aumento da despesa pública nos 2 últimos anos não atinge como deveria infra-estrutura e programas sociais

Organismo enxerga onda populista na América Latina e afirma que outros países da região têm elevado os gastos sem qualidade

FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A CINGAPURA

O FMI (Fundo Monetário Internacional) afirmou ontem que o crescimento no Brasil tem sido "desapontador" e que o gasto público cresceu demais nos últimos anos, sem estar necessariamente focalizado em programas sociais ou em investimentos em infra-estrutura.
Para o FMI, o Brasil e outros países latino-americanos erram ao usar o atual aumento na arrecadação tributária para financiar o crescimento da despesa pública.
Em caso de uma bastante provável piora no cenário internacional, diz o Fundo, ficará mais difícil para o país manter os superávits primários e reduzir o peso da dívida pública.
"O Brasil tem feito muito nos últimos anos em termos macroeconômicos. Mas temos de reconhecer que a resposta em termos de crescimento tem sido desapontadora e que alguma paciência ainda será necessária", afirmou Charles Collyns, economista-chefe-adjunto do FMI e especialista em Brasil.
"Há uma extensa agenda de reformas a ser perseguida. O gasto público é um dos pontos, pois têm crescido de modo rápido no Brasil ao longo dos últimos dois anos. O que consideramos importante é que esse gasto seja mais focalizado em programas sociais específicos para os mais pobres. O governo Lula conseguiu sucesso nessa área, mas há mais a ser feito", disse Collyns.
O relatório "Perspectivas para a Economia Mundial", divulgado ontem na reunião do FMI e do Banco Mundial em Cingapura, prevê crescimento de 3,6% para o Brasil neste ano e de 4% no próximo.
A estimativa do Fundo para este ano supera a do mercado doméstico (segundo a pesquisa Focus) e a do Ipea, de 3,2% e 3,3%, respectivamente.
Nos últimos anos, nem sempre as previsões do Fundo se aproximaram dos resultados finais. Ao divulgar o mesmo relatório em setembro de 2004, por exemplo, o FMI errou as estimativas para aquele ano e o seguinte. Havia projetado alta do PIB de 4% e 3,5% nos dois anos. Mas a expansão ficou em 4,9% e 2,3%, respectivamente.
De qualquer forma, o percentual previsto pelo FMI para o Brasil em 2006 será o menor de toda a América Latina, que deve crescer 4,8%, em média. Ficará abaixo ainda da média mundial (5,1%), da Europa emergente (5,4%), do Oriente Médio (5,8%), da Ásia (8,3%) e até da África (5,4%). Em 2007, também ficará aquém da média de todas essas regiões.
Collyns disse que, com a queda da inflação, o Banco Central está "mais bem posicionado". "Há espaço para novas reduções dos juros. Ao longo do tempo, teremos um aumento dos investimentos no país."
Mas o economista jogou para o futuro a possibilidade de um crescimento mais acelerado, salientando que ainda há muito a ser feito em termos de reformas econômicas e ações para reduzir o "spread" bancário.
"No futuro, a combinação de uma política macroeconômica sólida, um setor financeiro mais eficiente e taxas de juro menores devem trazer um crescimento maior ao Brasil."
O futuro, segundo as previsões do Fundo, também deve trazer um esfriamento global após quatro anos de crescimento excepcional, quando vários países (o Brasil é uma das exceções) aproveitaram para crescer mais rapidamente.
O FMI afirma que a demanda interna está se convertendo no principal "motor" do crescimento na região, mas que está "travado" pelo alto endividamento dos países e pela falta de reformas nas áreas fiscal, trabalhista e previdenciária. O Fundo recomendou ainda reformas para desvincular despesas orçamentárias fixas para que se possam aumentar gastos em infra-estrutura.

AL volta ao "populismo"
Segundo o FMI, o aumento do gasto público ocorre em vários países da América Latina, região que viveria hoje uma nova onda "populista".
"Isso reflete em alguma medida a grande disparidade de renda na região, onde alguns buscam sua voz em movimentos populistas. Há uma necessidade de atender a essa demanda por uma divisão dos frutos da prosperidade, mas o populismo é o caminho equivocado", afirmou Raghuram Rajam, economista-chefe do FMI, sem citar nenhum país.
"Consistentemente, a América Latina se mantém como a região de menor crescimento entre os emergentes. Esses resultados, aliados aos lentos progressos na redução da pobreza, têm alimentado uma série de frustrações na população", diz o Fundo.
Para o FMI, "embora maiores gastos na área social e em infra-estrutura possam trazer dividendos de longo prazo, há a preocupação de que nem todos os gastos sejam bem direcionados e que sejam difíceis de reduzir quando a economia global se tornar mais desafiadora".


Colaborou a Redação

Texto Anterior: Cai produção de petróleo e gás da empresa
Próximo Texto: Meirelles diz ser "guardião da moeda" no país
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.