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MARCOS CINTRA
O IVV é um retrocesso
O potencial de sonegação, já elevado no varejo, crescerá com um tributo cobrado na ponta do consumo
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OS MUNICÍPIOS podem perder
o ISS com o projeto de reforma tributária que deve chegar ao Congresso neste mês. Em seu
lugar, o governo propõe que passem
a cobrar um novo imposto -o IVV
(imposto sobre venda a varejo).
O IVV é um tributo pago no último estágio do processo de fabricação e distribuição de mercadorias,
como ocorre nos Estados Unidos. É
adicionado na nota fiscal quando o
consumidor adquire um bem em
um estabelecimento varejista. Ou
seja, ao efetuar uma compra em
uma loja, farmácia ou restaurante,
por exemplo, o cliente teria o imposto somado ao preço final, e o comerciante seria o responsável pelo seu recolhimento ao fisco municipal.
O IVV é uma espécie tributária
que causará prejuízos ao setor produtivo e aos municípios. É um motivo de preocupação para o comércio
varejista e para as prefeituras e vai
aprofundar uma das principais anomalias que a reforma tributária deveria corrigir, que é a sonegação.
Os varejistas devem ver o IVV
com muita apreensão porque ele irá
impor ao segmento novos custos de
administração tributária, subtraindo-lhes capital de giro e pressionando suas margens de lucro. Outro aspecto a ser considerado desse imposto refere-se ao fato de que o potencial de evasão tributária, que já é elevado no varejo, irá crescer com a
criação de um tributo cobrado na
ponta do consumo. As grandes redes
varejistas devem ser as mais prejudicadas, uma vez que, até pela necessidade de planejamento, elas precisam formalizar suas operações mercantis, enquanto no pequeno comércio a informalidade será estimulada, aumentando o peso da sonegação como fator de competitividade.
Para os prefeitos, a proposta também é motivo de preocupação. Eles
vão perder a base de incidência tributária que mais cresce na economia moderna, que é a prestação de
serviços. Entre 2002 e 2006, o ISS
foi a receita que mais aumentou
(11,4%), somando mais de R$ 15 bilhões no ano passado.
O governo propõe que a perda do
ISS seja compensada com um IVV
com alíquota de cerca de 1,5% e que
a União transfira recursos para as
prefeituras no primeiro ano de sua
vigência. No segundo ano, essas
transferências cessariam, e os municípios poderiam reduzir ou aumentar a alíquota do IVV em um ponto
percentual.
As administrações municipais devem atentar para o fato de que elas
passariam a ter competência sobre
uma espécie tributária extremamente complexa, que exigiria a manutenção de pesadas estruturas para administrar e fiscalizar um imposto no qual não têm tradição.
Um dos principais desafios na implementação da reforma tributária é
o efetivo combate à sonegação. A ética tributária está destroçada no país.
A evasão fiscal é uma prática socialmente aceita, e não dá para imaginar
que um imposto que seria cobrado
em milhões de pontos-de-venda no
território nacional possa ser adequadamente arrecadado. Negociar
preço de mercadoria com base no
diferencial "com nota" ou "sem nota" faz parte da rotina dos consumidores no Brasil.
Vale lembrar que nos Estados
Unidos a sonegação do imposto sobre vendas ("sales tax") é considerada uma prática generalizada. O problema não é tão grave nos EUA pelo
fato de a base de incidência ter peso
relativamente baixo. No Brasil, ela é
o principal item da arrecadação.
O burocrático IVV é um retrocesso para o país. É um imposto que
prejudica as prefeituras, impõe mais
custos tributários aos varejistas e
acentua a sonegação e a corrupção.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62,
doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular
e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a
cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
mcintra@marcoscintra.org
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