São Paulo, quarta-feira, 15 de outubro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Ainda congelados de medo


Promessa de trilhões não bastou para descongelar o crédito; bancos daqui fazem dueto com os de EUA e Europa

CANTE LÁ , que eu canto cá. Em que aspecto o estresse financeiro do Brasil se assemelha à depressão de crédito no mundo rico? Na indisposição dos bancos de emprestar dinheiro mesmo depois das cascatas de oferta de liquidez (dinheiro). Mas é bom ressaltar a diferença: há estresse no Brasil e pânico paralisante do crédito nos Estados Unidos e na Europa.
O problema brasileiro é derivado (ou é derivativo?), importado. Ao menos por ora, o vírus euroamericano não sofreu mutações tropicais relevantes. Isto é, não apareceram problemas graves, de solvência, nas instituições financeiras daqui, o que daria outra dinâmica ao estresse.
Ainda não há sinais documentados de que os bancos decidiram dar vazão à liquidez oferecida pelo BC.
Porém, após conversas com o BC, bancões começaram subitamente a achar atraentes as carteiras de crédito de bancos menores. Mas os bancos estão deixando o dinheiro estacionado em títulos do governo.
À boca pequena, bancos brasileiros reclamam da decisão do BC de ampliar a liquidez "aos poucos" e com "condicionantes demais" (libera-se um pouco de dinheiro do compulsório para a compra de créditos, outro tanto para comprar títulos de fundos de investimento que sangram etc.). Os bancos querem liberdade total e o melhor do Carnaval.
O mercado de crédito do mundo rico, por sua vez, teve dois dias para curtir a promessa estatal de despejar trilhões no sistema financeiro, via estatização, garantias para dívidas bancárias ou linhas de crédito camaradas, mas o medo continua. O custo dos empréstimos entre bancos continua nas alturas, com quedas muito marginais. A diferença entre juros interbancários e taxas "básicas" em dólar, euro e libra continua dezenas de vezes maior do que a registrada antes do estouro final da crise, faz pouco mais de um ano.
As taxas dos títulos de curto prazo do governo dos EUA estão nos níveis ao rés-do-chão da semana de estréia do grande pânico, entre 15 e 19 de setembro, dias em que instituições financeiras quebravam em cascata.
Quando aumenta muito a procura por esses títulos, os papéis passam a render quase nada. A dívida americana ainda é tida como uma espécie de colchão universal. Sua garantia é, em última instância, o poder americano de imprimir dólares.
Na avaliação de economistas dos próprios bancões euroamericanos, em suas dezenas de relatórios diários, a reticência se deve ao fato de que os pacotões americanos e europeus mal começaram a ser implementados. Mesmo quando o dinheiro jorrar, os bancões tenderiam a esperar para ver quem se arrisca primeiro na praça. De resto, os bancos reagiriam devagar, como saindo de uma toca para pisar em gelo fino, pois ainda são esperadas muitas más notícias da economia dita real, o que leva bancos a ficarem ainda mais retraídos diante de solicitações de empresas. Se é que não vão perder ainda mais dinheiro com empréstimos já concedidos ao setor produtivo.
O estresse brasileiro, repita-se, é muito diferente em escala e natureza da depressão euroamericana.
Mas os dois abalos são paralelos e, por contágio, tendem a andar emparelhados enquanto a situação não desanuviar um pouco em algum dos lados do Atlântico, como diz Lula.

vinit@uol.com.br



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