São Paulo, quarta-feira, 15 de outubro de 2008

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ARTIGO

Governo grande à frente

DAVID BROOKS
DO "NEW YORK TIMES"

Estamos em meio a uma crise financeira, mas a maioria dos economistas diz que há uma crise econômica ainda mais ampla por vir. O índice de desemprego deve disparar. Empresas quebrarão. Os valores dos imóveis comerciais se reduzirão. O volume de inadimplência nos contratos de cartão de crédito subirá. O setor sem fins lucrativos será devastado.
Quando a recessão tiver chegado à sua força máxima, os democratas provavelmente terão as rédeas do governo. Barack Obama provavelmente estará na Casa Branca. Na Câmara dos Representantes (deputados), o partido desfrutará de uma maioria confortável e terá também entre 55 e 60 assentos entre os 100 do Senado.
O partido herdará grandes déficits. David Leonhardt, meu colega no "New York Times", estima que o déficit atingirá os US$ 750 bilhões em algum momento do ano que vem, ou 5% do Produto Interno Bruto (PIB). Os democratas prometeram que bancariam os novos gastos por meio de cortes compensatórios, mas a crise econômica porá fim aos votos de prudência nos gastos. Os novos gastos federais virão na forma de quatro correntes separadas.
Primeiro, teremos os resgates. No passado, a preocupação era o risco moral. Mas a resistência a operações de resgate de grandes empresas desapareceu. Se o banco de investimentos Bear Stearns e a seguradora AIG merecem resgate, montadoras de automóveis, empresas aéreas e outras corporações com vínculos diretos com a economia real também merecem.
Segundo, haverá mais pacotes de estímulo. O primeiro deles, aprovado alguns meses atrás, foi um fracasso porque as pessoas gastaram apenas de 10% a 20% das restituições de impostos recebidas, optando por poupar o restante. Martin Feldstein, da Universidade Harvard, calcula que o pacote acrescentou US$ 80 bilhões à dívida nacional dos Estados Unidos e produziu menos de US$ 20 bilhões em consumo. Mesmo assim, Nancy Pelosi, a presidente da Câmara dos Representantes, promete novo pacote, e ele será aprovado.
Terceiro, teremos um renascimento do keynesianismo. O Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) tem pouca margem de manobra para estimular a economia, de modo que os democratas empregarão gastos públicos como forma de estimular o consumo. O economista Nouriel Roubini argumenta que a economia necessitará de um estímulo fiscal de US$ 300 bilhões.
Obama já prometeu um programa de investimento em criação de empregos e novas fontes de energia limpa, a um custo de US$ 150 bilhões em dez anos. Prometeu US$ 60 bilhões em gastos com a infra-estrutura, no mesmo período. Também prometeu diversos créditos tributários -US$ 4.000 ao ano para cobrir custos de ensino superior, US$ 3.000 para assistência a crianças, US$ 7.000 para quem adquirir um carro menos poluente, um crédito para quem paga hipotecas...
Quarto, teremos cortes de impostos. Anteontem, Obama prometeu novos subsídios tributários às pequenas empresas, o que reduziria a arrecadação em dezenas de bilhões de dólares. Isso se soma à sua promessa de reduzir os impostos de 95% dos domicílios norte-americanos. Os planos dele são menos irresponsáveis que os do republicano John McCain, mas o Centro de Política Tributária ainda assim estima que poderão reduzir a arrecadação em US$ 2,8 trilhões ao longo da próxima década.
Por fim, haverá um plano de saúde. Em 1960, a saúde consumia 5% do PIB. Em 2025, consumirá 25%. Diante dessa alta de custos, Obama despenderá mais muitos bilhões ampliando a cobertura. O plano que ele propõe tem muitas virtudes, mas as medidas de corte de custos incluídas são quiméricas.
Quando somamos tudo isso, não estamos mais falando de um déficit equivalente a 5% do PIB, mas de algo muito, muito maior.
A nova situação servirá para reabrir velhas divisões no Partido Democrata. De um lado, a ala esquerda argumentará (e já está argumentando) que foi a desregulamentação e a idéia de que os benefícios da prosperidade deveriam fluir de cima para baixo que nos conduziram à atual crise. O medo de insolvência fiscal é exagerado. Os democratas deveriam usar seu controle do Executivo e do Legislativo como oportunidade única de promover mudanças há muito necessárias. A esquerda pressionará vigorosamente pela adoção de políticas econômicas ao modelo europeu.
Do outro lado, os moderados restantes argumentarão que foram o endividamento e os excessos que criaram a crise econômica. Argumentarão (como já estão fazendo) que é perfeitamente legítimo elevar o déficit com programas de estímulo durante uma recessão, mas que esses programas precisarão ser cuidadosamente direcionados e deverão ser descontinuados quanto a crise passar. Os moderados enfatizarão que o país ainda enfrenta uma crise de insolvência potencialmente ruinosa devido ao custo do sistema de benefícios.
Obama tentará encontrar um meio-termo -ele parece simpatizar com as duas alas-, mas a esquerda vencerá. Ao longo dos últimos dez anos, a ala esquerda do partido montou uma campanha contra políticas econômicas ao estilo de Robert Rubin, e a ala controla os centros de poder no Congresso. Mesmo que o deseje, é difícil para um presidente contrariar os presidentes de comitês do Congresso, especialmente do seu próprio partido. E isso se torna ainda mais difícil no caso de um presidente novato lidando com líderes legislativos veteranos. E especialmente difícil quando não existe registro de qualquer ocasião em que o presidente tenha contrariado as lideranças tradicionais de seu partido. E completamente impossível quando a economia está em profunda recessão e um ar de crise toma o país. O que veremos, em resumo, é a revolução do líder conservador republicano Newt Gingrich em reverso e multiplicada. Haverá grandes aumentos nos gastos e nos déficits. Em momentos normais, os moderados conseguiriam conter o zelo da esquerda. Em meio a uma crise econômica, sem chance. Haverá exageros. E depois deles a reação é inevitável.

Tradução de PAULO MIGLIACCI



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