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ARTIGO
Governo grande à frente
DAVID BROOKS
DO "NEW YORK TIMES"
Estamos em meio a uma crise financeira, mas a maioria dos
economistas diz que há uma
crise econômica ainda mais
ampla por vir. O índice de desemprego deve disparar. Empresas quebrarão. Os valores
dos imóveis comerciais se reduzirão. O volume de inadimplência nos contratos de cartão
de crédito subirá. O setor sem
fins lucrativos será devastado.
Quando a recessão tiver chegado à sua força máxima, os democratas provavelmente terão
as rédeas do governo. Barack
Obama provavelmente estará
na Casa Branca. Na Câmara dos
Representantes (deputados), o
partido desfrutará de uma
maioria confortável e terá também entre 55 e 60 assentos entre os 100 do Senado.
O partido herdará grandes
déficits. David Leonhardt, meu
colega no "New York Times",
estima que o déficit atingirá os
US$ 750 bilhões em algum momento do ano que vem, ou 5%
do Produto Interno Bruto
(PIB).
Os democratas prometeram
que bancariam os novos gastos
por meio de cortes compensatórios, mas a crise econômica
porá fim aos votos de prudência nos gastos. Os novos gastos
federais virão na forma de quatro correntes separadas.
Primeiro, teremos os resgates. No passado, a preocupação
era o risco moral. Mas a resistência a operações de resgate
de grandes empresas desapareceu. Se o banco de investimentos Bear Stearns e a seguradora
AIG merecem resgate, montadoras de automóveis, empresas
aéreas e outras corporações
com vínculos diretos com a
economia real também merecem.
Segundo, haverá mais pacotes de estímulo. O primeiro deles, aprovado alguns meses
atrás, foi um fracasso porque as
pessoas gastaram apenas de
10% a 20% das restituições de
impostos recebidas, optando
por poupar o restante.
Martin Feldstein, da Universidade Harvard, calcula que o
pacote acrescentou US$ 80 bilhões à dívida nacional dos Estados Unidos e produziu menos
de US$ 20 bilhões em consumo. Mesmo assim, Nancy Pelosi, a presidente da Câmara dos
Representantes, promete novo
pacote, e ele será aprovado.
Terceiro, teremos um renascimento do keynesianismo. O
Federal Reserve (Fed, o banco
central dos EUA) tem pouca
margem de manobra para estimular a economia, de modo
que os democratas empregarão
gastos públicos como forma de
estimular o consumo. O economista Nouriel Roubini argumenta que a economia necessitará de um estímulo fiscal de
US$ 300 bilhões.
Obama já prometeu um programa de investimento em
criação de empregos e novas
fontes de energia limpa, a um
custo de US$ 150 bilhões em
dez anos. Prometeu US$ 60 bilhões em gastos com a infra-estrutura, no mesmo período.
Também prometeu diversos
créditos tributários -US$
4.000 ao ano para cobrir custos
de ensino superior, US$ 3.000
para assistência a crianças, US$
7.000 para quem adquirir um
carro menos poluente, um crédito para quem paga hipotecas...
Quarto, teremos cortes de
impostos. Anteontem, Obama
prometeu novos subsídios tributários às pequenas empresas, o que reduziria a arrecadação em dezenas de bilhões de
dólares. Isso se soma à sua promessa de reduzir os impostos
de 95% dos domicílios norte-americanos. Os planos dele são
menos irresponsáveis que os do
republicano John McCain, mas
o Centro de Política Tributária
ainda assim estima que poderão reduzir a arrecadação em
US$ 2,8 trilhões ao longo da
próxima década.
Por fim, haverá um plano de
saúde. Em 1960, a saúde consumia 5% do PIB. Em 2025, consumirá 25%. Diante dessa alta
de custos, Obama despenderá
mais muitos bilhões ampliando
a cobertura. O plano que ele
propõe tem muitas virtudes,
mas as medidas de corte de custos incluídas são quiméricas.
Quando somamos tudo isso,
não estamos mais falando de
um déficit equivalente a 5% do
PIB, mas de algo muito, muito
maior.
A nova situação servirá para
reabrir velhas divisões no Partido Democrata. De um lado, a
ala esquerda argumentará (e já
está argumentando) que foi a
desregulamentação e a idéia de
que os benefícios da prosperidade deveriam fluir de cima para baixo que nos conduziram à
atual crise. O medo de insolvência fiscal é exagerado. Os
democratas deveriam usar seu
controle do Executivo e do Legislativo como oportunidade
única de promover mudanças
há muito necessárias. A esquerda pressionará vigorosamente
pela adoção de políticas econômicas ao modelo europeu.
Do outro lado, os moderados
restantes argumentarão que
foram o endividamento e os excessos que criaram a crise econômica. Argumentarão (como
já estão fazendo) que é perfeitamente legítimo elevar o déficit com programas de estímulo
durante uma recessão, mas que
esses programas precisarão ser
cuidadosamente direcionados
e deverão ser descontinuados
quanto a crise passar. Os moderados enfatizarão que o país
ainda enfrenta uma crise de insolvência potencialmente ruinosa devido ao custo do sistema de benefícios.
Obama tentará encontrar
um meio-termo -ele parece
simpatizar com as duas alas-,
mas a esquerda vencerá. Ao
longo dos últimos dez anos, a
ala esquerda do partido montou uma campanha contra políticas econômicas ao estilo de
Robert Rubin, e a ala controla
os centros de poder no Congresso.
Mesmo que o deseje, é difícil
para um presidente contrariar
os presidentes de comitês do
Congresso, especialmente do
seu próprio partido. E isso se
torna ainda mais difícil no caso
de um presidente novato lidando com líderes legislativos veteranos. E especialmente difícil
quando não existe registro de
qualquer ocasião em que o presidente tenha contrariado as lideranças tradicionais de seu
partido. E completamente impossível quando a economia está em profunda recessão e um
ar de crise toma o país.
O que veremos, em resumo, é
a revolução do líder conservador republicano Newt Gingrich
em reverso e multiplicada. Haverá grandes aumentos nos
gastos e nos déficits. Em momentos normais, os moderados
conseguiriam conter o zelo da
esquerda. Em meio a uma crise
econômica, sem chance. Haverá exageros. E depois deles a
reação é inevitável.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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