São Paulo, sábado, 15 de novembro de 2008

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DAVID PILLING

Por trás das cifras chinesas


A exemplo dos laticínios, a história do crescimento da China não é tão livre de adulterações quanto parece

AS ESTATÍSTICAS chinesas e as embalagens chinesas de leite têm alguma coisa em comum: não acredite no que você lê no rótulo. Do mesmo modo em que empresas estatais permitiram que fornecedores elevassem o suposto conteúdo protéico do leite em pó infantil com o acréscimo do plástico industrial melamina, os estatísticos a serviço do Estado vêm adulterando as cifras oficiais para atender aos interesses do Partido Comunista.
A meta é o crescimento regular e contínuo. Com esse objetivo em mente, as cifras estatais, em alguns casos, vêm subestimando a expansão real. Do mesmo modo, no desaquecimento anterior, quando a geração de eletricidade estagnou, a atividade econômica, misteriosamente, prosseguiu sem ser afetada. Portanto, quando somos informados de que nos próximos dois anos a China vai injetar US$ 586 bilhões numa economia que está crescendo a "apenas" 9% ao ano -queda real em relação aos 10% a 12% que uma população movida a octano já aprendeu a considerar normal-, somos autorizados a receber a informação com alguma desconfiança.
Num primeiro momento, os mercados de commodities e de participações acionárias reagiram com alegria aos sinais de que a China estava tomando medidas decisivas para garantir que as coisas continuem de vento em popa. Mas o pacote de estímulo pode não ser tudo o que aparenta. É possível que o índice de crescimento real já seja inferior ao que indicam as cifras oficiais. Stephen Roach, presidente do Morgan Stanley Asia, diz que Pequim está agindo como se estivesse "em pânico", sugerindo que a atividade econômica talvez já tenha caído para abaixo dos 8% que os observadores chineses fixaram como sendo o nível necessário para manter sob controle a insatisfação social no país. Evidências empíricas certamente sugerem que a produção tenha caído de maneira alarmante no mês passado, muito mais rapidamente do que, apenas algumas semanas atrás, se imaginava que fosse possível. O crescimento das exportações caiu, mas ainda não estagnou, sugerindo que o pior ainda esteja por vir. Sem estímulo -e, se as coisas derem terrivelmente errado-, os economistas se perguntam se o crescimento poderá cair para 6%, pelo menos por um ou dois trimestres.
O desaquecimento repentino não foi criado em Wall Street. Sua origem está em decisões tomadas no ano passado para desaquecer um mercado imobiliário em ebulição -em parte devido a temores sobre inflação, que agora evaporaram.
Se as tentativas de fazer o crescimento diminuir um pouco deram errado, os esforços para fazê-lo subir outra vez podem também não funcionar bem. Ben Simpfendorfer, do Royal Bank of Scotland, diz que fica espantado com o montante de dinheiro que Pequim está investindo para tentar resolver o problema -pelo menos 3% do PIB anual. A China é um sistema centralmente planejado que está fazendo uma transição lenta e irregular para uma economia de mercado. Os Estados Unidos e a Europa deram um passo forçado no sentido oposto. Nenhum lado pode obrigar sua economia a girar como ele quer.
É certo que a demografia da China, sua urbanização maciça contínua e o espaço para a melhora da produtividade praticamente garantem que o crescimento rápido será retomado. Mas quem imagina que a China possui o poder de fogo imediato necessário para tirar o mundo da recessão deveria fazer alguns exames de laboratório. Como é o caso com seus laticínios, a história do crescimento da China não é tão livre de adulterações quanto parece.

DAVID PILLING é colunista do "Financial Times".

Tradução de Clara Allain.

Hoje, excepcionalmente, a coluna de CÉSAR BENJAMIN não é publicada.



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