São Paulo, domingo, 15 de novembro de 2009

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Brasil deve evitar erro dos EUA, diz analista

Aposta no mercado interno é correta, mas é preciso cautela para evitar bolha de consumo, diz Jan Kregel, assessor da Unctad

Segundo ele, demanda será "mercadoria rara", e os países que conseguirem gerar mais financiamentos internos sairão na frente

CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

O Brasil tem que apostar em seu mercado interno para continuar crescendo, mas não pode cometer o erro dos EUA e provocar uma bolha de consumo com poupança externa, advertiu o economista britânico Jan Kregel.
Nome importante da escola pós-keynesiana, assessor da Unctad (conferência da ONU para comércio e desenvolvimento) e professor do Bard College, nos EUA, Kregel participou na semana retrasada de seminário no Instituto de Economia da UFRJ, no Rio, sobre "respostas estratégicas à globalização".
Em sua análise, o consumidor americano não voltará a gastar como antes, quando era o motor da demanda global, já que suas compras, que sustentaram a expansão dos EUA nos anos pré-crise, basearam-se no endividamento das famílias, e não no aumento da renda.
"A dívida não pode crescer para sempre. Uma hora tem que ser paga. O governo tenta salvar os bancos, mas o crédito não terá mais a mesma força."
Ao mesmo tempo, continuou, países que já ajustaram suas economias à desvalorização do dólar o fizeram com arrocho interno. "A Europa depende da máquina de exportação da Alemanha, que, em vez de ajustar pelo câmbio, ajustou pelo salário, em queda nos últimos dez anos. O Japão havia feito o mesmo antes."
Por isso, concluiu, "a mercadoria rara será a demanda, e os países que tiverem capacidade de gerar demanda e financiamento interno estarão em posição privilegiada".
Para ele, a China não pode virar-se para o mercado interno em curto prazo, já que cerca de 80% de sua população ainda vive perto do nível de subsistência. Já o Brasil "tem maior potencial", desde que os bancos privados, e não só o BNDES, financiem a indústria.
"O setor bancário privado é muito lucrativo, mas financia o governo e depois o consumo, a taxas altíssimas", afirmou.
O crédito é importante, disse Kregel, porque não basta estimular a demanda, é necessário também aumentar a oferta interna. "É preciso construir capacidade produtiva, por exemplo, em bens eletrônicos. Não se deve pensar que, porque são produtos simples, não podem ter impacto tecnológico. Se você começa, pode desenvolver tecnologia mais avançada."
Ele disse temer que haja uma acomodação brasileira pela entrada de dinheiro barato e as exportações de commodities: "Não podemos só emprestar ao consumidor para que compre importados. Isso fizeram os EUA". Num crescimento saudável, "o financiamento do consumo deve vir do aumento de salários, e o financiamento para negócios deve vir do setor financeiro."
Para o economista, não é boa política de longo prazo fiar-se na exportação de produtos minerais e energéticos para a China. "A China tem essas commodities, apenas ainda não decidiu explorá-las. Hoje é mais fácil transportar de barco do Brasil ou da África do que comprometer recursos na infraestrutura para tirar a matéria-prima das Províncias do noroeste."
No mesmo seminário, o economista Antonio Barros de Castro, assessor da presidência do BNDES, destacou a ascensão da classe C como razão para o destaque que o Brasil ganha no exterior. "É um mercado que ensandece os europeus e está na hora de cobrar ingresso para entrar nele", disse, citando transferência tecnológica e conteúdo nacional.
Na contramão de Kregel, Barros de Castro disse não ser a favor "de produzir tudo no Brasil", como no antigo desenvolvimentismo e afirmou que o mundo em que exportar produtos agrícolas era coisa de país pobre não existe mais. Citou a tecnologia incorporada aos plantios brasileiros. "O Brasil é clone para uma revolução agrícola em escala mundial."
Castro também afirmou que Kregel superestima o mercado americano e minimiza o chinês. Segundo ele, a capacidade da China de produzir produtos baratos, mesmo agregando tecnologia, mudou o padrão de consumo dos "pobres do mundo".


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