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OPINIÃO ECONÔMICA
PT, o partido que copia
MARCOS CINTRA
"Uma mentira é uma mentira, duas
são duas, mas três é política!"
(Provérbio Yiddish)
Em entrevista ao jornal
"Valor" (28/11/2003), a prefeita Marta Suplicy, ao ser questionada sobre o que poderia ser
feito para melhorar a receita da
cidade de São Paulo, citou o Cepac (Certificado de Potencial Adicional de Construção) como um
mecanismo que deseja adotar para gerar recursos para o Tesouro
municipal. E afirmou, faltando
totalmente com a verdade, que o
instrumento é uma "invenção da
gestão do Sayad, que estamos implementando".
O projeto de lei nš 259/94 de minha autoria, que criava o Cepac,
foi aprovado pela Câmara Municipal de São Paulo em 9 de março
de 1995 e, na época, recebeu efusivos elogios de representantes de
todos os continentes presentes a
um congresso internacional de
administradores municipais em
Toronto, no Canadá. No dia seguinte à aprovação, contudo, foi
objeto de uma ação judicial movida pelo então vereador do PT
José Eduardo Martins Cardozo,
que argumentou que o projeto seria um desastre urbanístico para
a cidade. Como era de se esperar,
a ação contra o Cepac não tinha
sustentação e acabou sendo derrubada pela Justiça.
Depois de um longo período sub
judice, o texto do Cepac aprovado
pela Câmara Municipal chegou
às mãos da prefeita Marta para
ser sancionado e tornar-se lei.
Contudo, através do ofício nš 250,
de 3 de agosto de 2001, a prefeita
vetou a proposta.
Como se não bastassem as resistências ao projeto ao longo desses
anos, tanto por parte de vereadores do PT como também da prefeita, é bom lembrar que, em entrevista ao jornal "Gazeta Mercantil" (19/3/2001), o então secretário municipal de Finanças, João
Sayad, rechaçou firmemente a
idéia do Cepac dizendo: "O dinheiro é curto mas não estamos
em liquidação, não fazemos qualquer negócio". Sayad deu a entender, em sua entrevista, que o
Cepac degradaria a qualidade de
vida na cidade.
A administração da prefeita
Marta erra duas vezes em sua
avaliação. Do ponto de vista urbanístico, ao criticar uma proposta que foi, alguns meses depois,
incluída no Plano Diretor de São
Paulo por iniciativa do próprio
governo, e do ponto de vista financeiro, ao não captar o potencial daquele instrumento.
Investimentos públicos são tradicionalmente financiados com a
arrecadação de impostos e com
empréstimos, internos e externos.
Contudo essas fontes estão esgotadas no Brasil, particularmente
em São Paulo, conforme pode ser
visto em diagnóstico da Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade do Município
da São Paulo, de 4 de setembro de
2002, intitulado "Derrama Fiscal
e Emprego em São Paulo". Nesse
sentido, aumentar a carga de impostos, como tem feito a atual administração, é uma insensatez
que vem contando com total repúdio dos cidadãos paulistanos.
Da mesma forma, elevar o endividamento é inviável, graças à Lei
de Responsabilidade Fiscal. Como, então, encontrar formas de
financiamento para investimentos públicos?
A proposta de securitização de
direitos de construir representa
um novo paradigma de financiamento de investimentos governamentais. O conceito é simples.
Quando o setor público realiza
investimentos com impostos extraídos da coletividade -ou mesmo com operações de crédito-,
geram-se externalidades. Os benefícios são apropriados de forma
diferenciada por vários segmentos privados, ao passo que os custos são socializados. A valorização imobiliária é um exemplo típico. O governo investe em obras
urbanas com recursos de toda a
comunidade, mas a valorização
beneficia os donos da área que recebeu os investimentos.
O Cepac equaciona dois problemas: fornece recursos para o financiamento não-tributário dos
gastos públicos e absorve para a
coletividade a renda diferencial
gerada por investimentos governamentais, tradicionalmente
apropriada por segmentos do setor privado. O Cepac representa
direitos adicionais de construção
autorizados pela prefeitura. Os
recursos captados pela venda desses títulos são vinculados, por lei,
a determinado plano de investimento público, com o mercado
lhes atribuindo valor na proporção do fluxo futuro de benefícios
privados que os investimentos gerarão.
Vale ressaltar que as áreas com
potencial de adensamento serão
previamente definidas pela prefeitura e pela Câmara. Quando
apresentei a lei do Cepac, defini
que o instrumento seria lastreado
exclusivamente em operações urbanas previamente discutidas e
aprovadas pela Câmara. Isso refuta a declaração do secretário
Sayad, que afirmou que o Cepac
iria deturpar o zoneamento da cidade. Não se trata, portanto, de
um "negócio qualquer", que permitiria o adensamento indiscriminado em troca de recursos sem
o controle da administração.
O Cepac é um instrumento de
arrecadação voluntária, sem conotação impositiva. Os recursos
para financiar os investimentos
públicos são arrecadados antecipadamente a custo zero, negociado livremente no mercado, nas
Bolsas, o que garantirá ao título
liquidez e transparência na formação de preços, podendo, ainda,
ser usado como pagamento de
obras aos empreiteiros. Tudo isso
sem que o passivo financeiro da
prefeitura sofra acréscimos. O Cepac não representa endividamento. Seu resgate ocorreria em troca
da permissão de construir.
Um exemplo de possibilidade
de utilização do Cepac para financiar obras e benfeitorias é a
extensão da avenida Águas Espraiadas, que a prefeitura deve
implementar em breve fazendo
uso do "rejeitado" Cepac. A previsão é que em janeiro de 2004 o
Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal promovam leilões
desses títulos, arrecadando cerca
de R$ 500 milhões para a prefeitura. Outra intervenção possível
de ser implementada com o Cepac é a revitalização do centro de
São Paulo, que possui enorme potencial para áreas residenciais e
para atividades de lazer, de cultura e de gastronomia. Trata-se de
instrumento que pode alavancar
investimentos em vários outros
setores, como urbanização de favelas, melhoria de cortiços, reordenamento da malha viária, expansão do metrô, obras contra
enchentes etc. É estranho ver a
prefeita, que vetou o projeto e que
teve secretários que foram opositores da idéia, tentar passar por
criadora desse sistema de intervenção urbana.
O lado positivo de tudo isso,
contudo, é que o Cepac vai aos
poucos sendo compreendido e se
mostrando eficaz tanto como mecanismo de captação financeira
como um poderoso instrumento
de planejamento urbano. Mesmo
à revelia do PT, a idéia da securitização do direito de construir foi
usada com sucesso durante a gestão Maluf na operação Faria Lima. Ainda hoje a prefeitura dispõe de recursos gerados pelos Cepacs para investir naquela região.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 58, doutor pela Universidade
Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, é secretário das Finanças
de São Bernardo do Campo e autor de "A
verdade sobre o Imposto Único" (LCTE,
2003). Escreve às segundas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
E-mail - mcintra@marcoscintra.org
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