São Paulo, sábado, 15 de dezembro de 2007

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ANTONIO CARLOS LEMGRUBER

Brasil, macroeconomia e política

As condições parecem dadas para a repetição do "milagre brasileiro", se bem que a 6% ou 8% ao ano, em vez de 10%

NO AUGE da ditadura militar, em 1969 (primeiro ano do AI-5, seqüestros, morte de Costa e Silva, posse de Médici), eu era repórter econômico da Sucursal do Rio da Folha e fazia a cobertura do Ministério da Fazenda. O então ministro da Fazenda, Antonio Delfim Netto, com sua ironia peculiar, costumava dizer e repetir para os jornalistas: esses rapazes e moças que estão nas ruas participando das passeatas são os mesmos (bem como seus pais e parentes) que estão comprando carros e imóveis em grande quantidade. De fato, a economia começara a crescer aceleradamente em 1968 e o processo prosseguiu durante pelo menos seis anos até 1973.
A média de crescimento 1968-1973 foi da ordem de 10% ao ano. É verdade -e isso é importante para falarmos de 2008-2010- que durante os seis anos anteriores (1962 a 1967) a economia estivera em autêntica recessão, inclusive com dois anos de taxas negativas e média certamente inferior à das últimas décadas, talvez 1,5%.
Na altura de 1967/1968, havia, portanto, um "hiato do produto" -diferença entre o produto potencial e o PIB (Produto Interno Bruto) efetivo- enorme. Os cálculos históricos da época, embora feitos de forma rudimentar (séries de tendência), sugeriam que o crescimento potencial de longo prazo do PIB no Brasil era de 7% ao ano, considerando, por exemplo, um período longo de 1930 a 1975.
Assim, a economia pôde crescer 10% ao ano -graças aos automóveis e aos imóveis, entre outros setores- sem acelerar a inflação, com uma reaproximação gradual na direção do nível do produto potencial em 1973.
Era (e é) normal crescer por algum tempo a taxas acima da média de crescimento do PIB potencial. É justamente a recuperação cíclica.
Pois muito bem. Estamos de volta a uma situação muito parecida, no auge das críticas ao governo Lula. Fala-se do câmbio supervalorizado, da carga tributária, dos gastos públicos, da alta taxa nominal de juros. Mas o fato é que -assim como em 1967/68- as condições parecem estar dadas para uma repetição do "milagre brasileiro", se bem que a 6% ou 8% ao ano, em vez de 10% ao ano ou mais.
Tivemos 25 anos de baixo crescimento efetivo, e a chamada "taxa de crescimento do PIB potencial" certamente mudou. O crescimento da população diminuiu acentuadamente e, infelizmente, o crescimento da produtividade desabou. Esse não é local adequado para tentar analisar a "queda": pode-se falar atualmente numa taxa de crescimento do produto potencial de 4% -e não mais de 7%.
Portanto, em 2007/2008, o "hiato do produto" é certamente enorme. Há espaço para o Brasil crescer durante vários anos a taxas superiores a 4% anuais, sem provocar aceleração da inflação. Tudo indica que vamos assistir em 2008/2010 a um novo "milagre brasileiro". Não interessa se, assim como ocorreu na ditadura, muita gente torça contra (o curioso paradoxo é que os torcedores contrários em 2007/ 2008 são praticamente os opostos de 1969).
Nossa expectativa é que -graças aos automóveis e aos imóveis, entre outros- o Brasil volte a crescer na faixa de 7% a partir de 2008. Isso deve acontecer, note-se bem, com ou sem recessão nos Estados Unidos. E aqui também vale a pena retornar ao chamado período do "milagre" (1968-1973). Naquela época, o resto do mundo não estava crescendo assim tão aceleradamente, chegando ao ponto de se dizer, em 1973, que o Brasil era uma "ilha de prosperidade".


ANTONIO CARLOS LEMGRUBER, 60, mestre e doutor em economia pela Universidade de Virgínia, foi presidente do Banco Central (1985).


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