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São Paulo, quinta-feira, 16 de janeiro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Autonomia para o Banco Central?

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Hoje começo com um golpe baixo: o argumento de autoridade. O Prêmio Nobel de Economia James Meade escreveu certa vez: "As políticas monetária e fiscal têm que ser planejadas e operadas como uma totalidade única por uma única autoridade financeira. Tornar o Banco Central uma agência independente com a tarefa básica de evitar inflação excessiva do nível de preços (...) é cortejar o desastre" ("Full Employment Regained?", University of Cambridge, Department of Applied Economics, Occasional Paper 61, 1995).
Por que o golpe baixo? A razão é que se espalhou no Brasil a versão de que haveria um consenso mundial sobre a conveniência de conceder independência ou autonomia ao Banco Central.
Ah, leitor, toda vez que ouço falar de consensos econômicos internacionais tremo da cabeça aos sapatos. Os supostos consensos entre economistas costumam se revelar, mais cedo ou mais tarde, de uma fragilidade espantosa (um deles, o celebrado "Consenso de Washington", produziu um tremendo estrago no Brasil e em grande parte da América Latina). Poucos sabem que a literatura teórica e empírica sobre os benefícios da autonomia do Banco Central está repleta de ambivalências e pontos duvidosos.
"Cortejar o desastre", disse Meade. Um pouco de exagero, talvez. Mas como ignorar a importância de coordenar a política monetária (e diversos outros aspectos da atuação do Banco Central) com o resto da política econômica? "A política monetária tem que estar sintonizada com a política do Estado, exercida pelo ministério", declarou Luiz Inácio Lula da Silva durante a campanha (em entrevista à revista "Por Sinal", do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central, setembro 2002).
"Mudança! Essa é a palavra-chave", proclamou o presidente da República na frase de abertura do seu discurso de posse. Prometeu dar um novo rumo ao país e melhorar a vida dos brasileiros.
Ótimo. Mas alguém imagina que isso possa ser feito sem alterar a política macroeconômica? E como supor que a política macroeconômica possa mudar sem a renovação do Banco Central?
Os primeiros passos do governo nessa área dão motivos para inquietação. Na presidência do Banco Central temos alguém que se desmancha em elogios à gestão do seu antecessor e promete a mais estrita continuidade. Os demais diretores do banco foram todos mantidos. Para completar o quadro, anuncia-se que está em preparação uma Lei de Responsabilidade Monetária, que daria autonomia e mandatos fixos para o presidente e o resto da diretoria do banco.
Não há uma certa incongruência entre o discurso do presidente da República e a idéia de dar estabilidade no emprego a Henrique Meirelles e os diretores herdados do governo FHC?
Na entrevista acima citada, Lula revelou que na época da campanha sofria pressões para tomar uma decisão a respeito da independência ou autonomia do Banco Central. "Mas fazer isso", disse o candidato, "seria um golpe na vontade da população, que quer mudanças na política econômica. (...) Aceitar a independência, neste momento, significa manter a orientação equivocada que o governo tem dado à política monetária e que, com toda a razão, vem sendo criticada por quase todos os setores da sociedade."
Naquela ocasião, Lula dizia-se aberto ao debate e prometeu que, se eleito, abriria "um processo de discussão para analisar as vantagens e as desvantagens de um Banco Central mais independente".
Essa é uma discussão que precisa ser feita de forma transparente e aberta, sem precipitação e açodamento. Como lembrei em artigos recentes aqui publicados, o Banco Central desempenha uma série de funções de grande importância. Vale mais do que vários ministérios somados. Dele dependem não só a fixação das taxas de juro básicas e o controle da inflação, mas a administração da política cambial e das reservas internacionais do país, o controle das relações financeiras externas da economia, o grau de conversibilidade da moeda nacional, as negociações com o FMI, a regulação e a supervisão do sistema financeiro e o enfrentamento de eventuais crises financeiras sistêmicas.
O mínimo que se pode esperar de um governo comprometido com a mudança é que, nessa área crucial, nenhuma decisão seja tomada antes de uma longa e cuidadosa reflexão.


Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da EAESP-FGV, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É ..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

E-mail: pnbjr@attglobal.net


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