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OPINIÃO ECONÔMICA
Autonomia para o Banco Central?
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Hoje começo com um golpe
baixo: o argumento de autoridade. O Prêmio Nobel de Economia James Meade escreveu certa
vez: "As políticas monetária e fiscal têm que ser planejadas e operadas como uma totalidade única
por uma única autoridade financeira. Tornar o Banco Central
uma agência independente com a
tarefa básica de evitar inflação
excessiva do nível de preços (...) é
cortejar o desastre" ("Full Employment Regained?", University
of Cambridge, Department of Applied Economics, Occasional Paper 61, 1995).
Por que o golpe baixo? A razão é
que se espalhou no Brasil a versão
de que haveria um consenso
mundial sobre a conveniência de
conceder independência ou autonomia ao Banco Central.
Ah, leitor, toda vez que ouço falar de consensos econômicos internacionais tremo da cabeça aos
sapatos. Os supostos consensos
entre economistas costumam se
revelar, mais cedo ou mais tarde,
de uma fragilidade espantosa
(um deles, o celebrado "Consenso
de Washington", produziu um
tremendo estrago no Brasil e em
grande parte da América Latina).
Poucos sabem que a literatura
teórica e empírica sobre os benefícios da autonomia do Banco Central está repleta de ambivalências
e pontos duvidosos.
"Cortejar o desastre", disse
Meade. Um pouco de exagero,
talvez. Mas como ignorar a importância de coordenar a política
monetária (e diversos outros aspectos da atuação do Banco Central) com o resto da política econômica? "A política monetária
tem que estar sintonizada com a
política do Estado, exercida pelo
ministério", declarou Luiz Inácio
Lula da Silva durante a campanha (em entrevista à revista "Por
Sinal", do Sindicato Nacional dos
Funcionários do Banco Central,
setembro 2002).
"Mudança! Essa é a palavra-chave", proclamou o presidente
da República na frase de abertura
do seu discurso de posse. Prometeu dar um novo rumo ao país e
melhorar a vida dos brasileiros.
Ótimo. Mas alguém imagina
que isso possa ser feito sem alterar
a política macroeconômica? E como supor que a política macroeconômica possa mudar sem a renovação do Banco Central?
Os primeiros passos do governo
nessa área dão motivos para inquietação. Na presidência do
Banco Central temos alguém que
se desmancha em elogios à gestão
do seu antecessor e promete a
mais estrita continuidade. Os demais diretores do banco foram todos mantidos. Para completar o
quadro, anuncia-se que está em
preparação uma Lei de Responsabilidade Monetária, que daria
autonomia e mandatos fixos para
o presidente e o resto da diretoria
do banco.
Não há uma certa incongruência entre o discurso do presidente
da República e a idéia de dar estabilidade no emprego a Henrique Meirelles e os diretores herdados do governo FHC?
Na entrevista acima citada, Lula revelou que na época da campanha sofria pressões para tomar
uma decisão a respeito da independência ou autonomia do Banco Central. "Mas fazer isso", disse
o candidato, "seria um golpe na
vontade da população, que quer
mudanças na política econômica.
(...) Aceitar a independência, neste momento, significa manter a
orientação equivocada que o governo tem dado à política monetária e que, com toda a razão,
vem sendo criticada por quase todos os setores da sociedade."
Naquela ocasião, Lula dizia-se
aberto ao debate e prometeu que,
se eleito, abriria "um processo de
discussão para analisar as vantagens e as desvantagens de um
Banco Central mais independente".
Essa é uma discussão que precisa ser feita de forma transparente
e aberta, sem precipitação e açodamento. Como lembrei em artigos recentes aqui publicados, o
Banco Central desempenha uma
série de funções de grande importância. Vale mais do que vários
ministérios somados. Dele dependem não só a fixação das taxas de
juro básicas e o controle da inflação, mas a administração da política cambial e das reservas internacionais do país, o controle das
relações financeiras externas da
economia, o grau de conversibilidade da moeda nacional, as negociações com o FMI, a regulação
e a supervisão do sistema financeiro e o enfrentamento de eventuais crises financeiras sistêmicas.
O mínimo que se pode esperar
de um governo comprometido
com a mudança é que, nessa área
crucial, nenhuma decisão seja tomada antes de uma longa e cuidadosa reflexão.
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da EAESP-FGV, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É ..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail: pnbjr@attglobal.net
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