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PAULO RABELLO DE CASTRO
Bola da vez?
Ser a "bola da vez" é mera circunstância, país que tem estratégia de longo prazo não
depende de ver chegar sua vez
OS BONS resultados da economia em 2007 -crescimento
na faixa de 5%, retomada
dos investimentos e queda do desemprego- ajudaram a embalar
um novo conceito de ocasião: o Brasil seria, agora, a "bola da vez". Expressão lúdica, "da vez" é aquela bola em que todos os jogadores têm
que se concentrar. Os jogadores, no
caso, seriam os investidores internacionais na sua busca incansável
por uma remuneração extra (sem
grandes riscos!). Com reservas externas evoluindo de US$ 100 bilhões no início de 2007 até quase
US$ 200 bilhões ao final de dezembro, o Brasil se parece com uma
"bola da vez".
Ser a "bola da vez" é mera circunstância, quase sorte. País que
tem planejamento e compromisso
com o crescimento sustentado, estratégia de longo prazo, não depende de ver chegar sua vez. Ele mesmo
constrói o caminho, como bem tem
demonstrado a experiência dos
asiáticos. Esperar pela vez é "complexo de vira-lata", que o Brasil
nunca superou. Na sua fase eufórica, o vira-lata se acha o máximo, ao
constatar o tamanho da própria
sorte. E não seria isso que tem nos
acontecido? A tremenda sorte de
ver Lula pagando todos os papagaios externos do Brasil e acumular
saldo em caixa de fazer inveja a
qualquer emergente...
Não é bem assim. Essa é uma
"sorte" construída com imenso sacrifício do povo brasileiro nas últimas três décadas perdidas. Sacrifício esse que, nos próximos 20 anos,
será recompensado pela conjunção
de três fatores concorrentes, muito
favoráveis ao Brasil, na ótica do desempenho econômico. Se o Brasil é
incluído entre os quatro Brics
-grandes países de alto crescimento que despontarão no cenário
mundial-, certamente isso decorre
de suas vantagens estruturantes.
Que fatores são esses?
Um deles é o fator demográfico. O
país do passado, de idade média de
adolescente, com milhões de crianças para educar e excessiva fertilidade, vai se tornando adulto e está
chegando à idade de trabalhar. A geração de jovens adultos mais numerosa de todos os tempos (nos 507
anos de Brasil) chega hoje ao mercado de trabalho brasileiro. Agora é
tudo ou nada!
Em seguida, o fenômeno geográfico: a ocupação produtiva do território, ligada ao agronegócio profissionalizado e competitivo. A ocupação territorial, se bem planejada e
ambientalmente correta, colocará o
Brasil no centro dos futuros interesses mundiais, pela produção alimentícia, pela chamada "energia
verde" e, especialmente, pelos serviços ambientais, de conservação,
recuperação e preservação dos biomas e ecossistemas sob nossa tutela
soberana.
Por fim, o terceiro fator: a longa
batalha pela estabilidade econômica, penosamente conquistada, mas
ainda não consolidada, enquanto o
país não empreender uma verdadeira revolução no plano fiscal do setor
público e baixar juros para valer.
Há muito mais a ser feito, educação, energia, Previdência, se o Brasil
planeja despontar, nas próximas décadas, como uma nação influente no
cenário mundial multipolar. Tem
quase tudo para sê-lo. À exceção, talvez, de uma educação verdadeiramente orientada para o trabalho e
uma filosofia efetiva de desenvolvimento pelo trabalho, em vez do culto à esperteza e ao lucro fácil, vício
que corrói nossa moral, da base ao
topo da pirâmide social. Daí o perigo
semântico e ideológico da expressão
"bola da vez", pois a coitada da bola
sempre acaba morrendo numa caçapa.
PAULO RABELLO DE CASTRO, 58, doutor em economia
pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do
Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora
de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria
econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da
Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
rabellodecastro@uol.com.br
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