São Paulo, sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

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Sem trabalho, ex-lavradores voltam ao campo na China

Crise atingiu construção e indústrias, maiores empregadores de imigrantes rurais

Em 2008, 10 milhões de desempregados deixaram cidades chinesas para retornar ao campo; em 2009, número será de 20 milhões

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

Trocar a paisagem de arranha-céus modernosos e muitos neons das grandes cidades chinesas pelo interior, onde subsistem o arado manual e os casamentos arranjados.
Esse grande salto para trás, do século 21 ao século 18, já foi dado por 10 milhões de chineses que perderam o emprego em 2008 e voltaram à lavoura.
O êxodo urbano será um dos temas sobre a mesa do Ano Novo Chinês, que começa no dia 26. O feriado mais importante da China dura uma semana -e é a rara oportunidade para que 200 milhões de chineses visitem seus parentes no interior, em um país onde férias não existem na lei.
Com previsões de que mais 20 milhões de empregos desapareçam em 2009, as famílias se perguntam onde é melhor ficar. Os dois setores que mais empregaram a vasta mão-de-obra inexperiente nas últimas duas décadas estão em crise. Há obras paradas em todos os cantos em Pequim e Xangai, e edifícios prontos vazios, esquecidos pelos compradores.
As linhas de montagem que espalharam o "made in China" pelo mundo estão em velocidade reduzida. Mais de 2,5 milhões de operários perderam seus empregos na Província de Guangdong, no sul da China, a mais populosa e rica do país.
Os retirantes chineses formaram o pilar da competitividade que levou o país agrário a se tornar potência industrial em menos de três décadas.
A China virou a terceira maior economia do mundo, em parte graças aos 200 milhões de vidas severinas que desconhecem sábados e domingos, aceitam salários irrisórios sem reclamar e vagam pelo país atrás de empregos na construção civil e nas linhas de montagem das fábricas exportadoras.
"A primeira geração de migrantes rurais, nos anos 80, tinha vários irmãos, quase nenhum estudo e se readaptava ao trabalho na lavoura facilmente", disse à Folha a socióloga Zhao Wei, vice-diretora do Centro de Estudos do Trabalho na China na Universidade Normal de Pequim.
"As gerações mais jovens têm mais ambições, não têm experiência ou interesse de pegar na enxada. Esse é o desafio", diz Zhao. "O problema é que, com a rotina de trabalho, poucos têm tempo de aprender novas profissões."
Há apenas um ano entrou em vigor uma nova lei trabalhista no país, que prometia mais estabilidade aos empregados e aumentava as punições a patrões que não pagassem horas extras e outros benefícios.
A socióloga Zhao, que já trabalhou na única central sindical do país, criada e tutelada pelo Partido Comunista, diz que a precarização dos empregos restantes está a caminho. "Pequim diz que está tudo bem, mas nas Províncias patrões já escutam do governo que, desde que não demitam, podem fazer o que quiserem."
Quem está voltando à sua Província por algum tempo é o pintor de parede Zou Ming, 31, depois de quatro meses em Pequim ganhando 140 yuans (R$ 46) por dia, mais que o dobro da média de seus companheiros na construção.
"Só estudei o primário, então não posso querer outros empregos, posso até aceitar menos. Meu sonho é um dia voltar com minha mulher e minha filha de seis anos para Pequim, mas é difícil", diz.
Pela lei chinesa, cada habitante tem direito a serviços sociais em sua cidade de origem. Como a maioria dos migrantes não tem permissão de residência, sua estância é quase clandestina, mas tolerada pelo governo. Seus filhos, porém, não têm autorização para cursar o ensino secundário ou uma faculdade fora do local de residência. Forasteiros precisam de nota maior de corte no ultracompetitivo vestibular chinês. Os investimentos em educação e saúde ainda são bem menores em relação ao PIB que os do Brasil.

Temor a protestos
O governo chinês anunciou em novembro um pacote de 4 trilhões de yuans (R$ 1,33 trilhão, quase 2,5 vezes o total de investimentos do PAC), anunciando obras de infraestrutura, como a construção de mais aeroportos, ferrovias e rodovias.
Protestos começaram a acontecer com mais intensidade no final de 2008, já como resposta à crise. De taxistas a operários que ficaram sem receber o salário quando suas fábricas faliram, a desaceleração econômica trouxe medo e insatisfação. Em vários casos, houve ataques à polícia e depredação de prédios públicos.
Mas o maior temor é pelo destino dos 7 milhões de universitários chineses, cultos e ligados à internet, que se formam neste ano e terão dificuldade de encontrar trabalho.
Há 20 anos, estudantes deram origem à maior onda de protestos na China nas últimas décadas, reprimida com tanques na praça da Paz Celestial.


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