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São Paulo, domingo, 16 de março de 2003

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ARTIGO/ ECONOMIA BOMBARDEADA

Guerra custará além do esperado, e o Brasil vai pagar

BARRY EICHENGREEN
ESPECIAL PARA A FOLHA

O mercado de ações nos Estados Unidos está em queda em reação à incerteza sobre a guerra no Iraque. O conselho de autoridades do governo George W. Bush e de muitos chamados especialistas em mercados financeiros é "não se preocupem muito". A guerra virá logo. Ela acabará rapidamente. Diferentemente da primeira Guerra do Golfo, em 1991, a campanha de bombardeios terminará em poucos dias, e não em semanas.
A poderosa exibição dos militares norte-americanos com bombardeios precisos vai devastar e desmoralizar a oposição iraquiana. Se houver necessidade de operações de limpeza por tropas em terra, elas poderão ser realizadas à noite, quando a superioridade tecnológica norte-americana é mais pronunciada. E os custos diretos das operações militares -aproximadamente US$ 50 bilhões se a guerra for curta e correr conforme planejado- aumentarão apenas modestamente o déficit do orçamento federal para este ano, de US$ 340 bilhões.
Mas concentrar-se na fase militar da campanha despreza a principal fonte de riscos econômicos, políticos e financeiros, que está na reconstrução do Iraque após a guerra. A ocupação, a reconstrução nacional e o reparo da infra-estrutura custarão mais de US$ 100 bilhões, mesmo no cenário mais otimista.
A diplomacia canhestra do governo George W. Bush, que alienou possíveis aliados, significa que esses custos não serão compartilhados por outros países por meio do sistema da ONU (Organização das Nações Unidas). E, se o Iraque mergulhar no caos e 200 mil forças de paz forem necessárias durante dez anos, um cenário concebível diante do que aprendemos da intervenção na Iugoslávia, esses custos poderão aumentar seis vezes.

Guerra civil e caos
Infelizmente, a Iugoslávia não é uma má analogia. O Iraque foi construído artificialmente, formado por xiitas, sunitas e curdos rivais. Retirando-se a cola exterior do país, como aconteceu na antiga Iugoslávia com o fim da Guerra Fria, o Iraque poderá mergulhar na guerra civil e no caos. A experiência no Afeganistão depois da intervenção militar norte-americana sugere que a esperança de que um governo central em Bagdá consiga controlar as diversas regiões do país é ilusória.
O desenvolvimento de chefes guerreiros locais e regiões autônomas, que não respeitariam as fronteiras internacionais do Iraque, assim como não respeitam as internas, não seria aceitável para os vizinhos do país. Causaria grave preocupação na Turquia, um membro valioso da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), e no Irã, uma possível potência nuclear, ambos os quais têm minorias curdas substanciais e militantes.
Portanto os Estados Unidos terão de se esforçar para evitar a desintegração interna do Iraque. O cenário em que os norte-americanos -e os aliados que conseguir- terão de manter 200 mil soldados da paz no local durante dez anos, a um custo de US$ 250 mil anuais por soldado, é, portanto, muito provável.

Déficit
Nessa altura, as consequências para o déficit orçamentário dos Estados Unidos começam a se tornar alarmantes. Uma aventura militar que, segundo nos dizem, acrescentaria uma conta modesta ao déficit orçamentário agora ameaça duplicá-lo na próxima década -e isso num momento em que os Estados Unidos têm uma iminente crise do sistema de aposentadorias. Déficits cumulativos que o governo de George W. Bush promete que não vão superar US$ 2 trilhões -o que não é exatamente um número tranquilizador, mas que de modo mais plausível parecem chegar a US$ 4 trilhões.
Os mercados financeiros não acordaram para esse fato. Quando o fizerem, as taxas de juros subirão. Surgirão preocupações de que os Estados Unidos recorram à inflação para enfrentar o peso do serviço de sua dívida. O dólar sofrerá e obrigará o Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) a endurecer. Os investidores estrangeiros estavam dispostos a financiar o déficit externo dos Estados Unidos desde que seus fundos fluíssem para investimentos privados em novas tecnologias, que prometiam criar uma economia mais produtiva e de rápido crescimento, capaz de saldar seus empréstimos. Assim como qualquer brasileiro sabe, é mais difícil atrair investimento estrangeiro quando o déficit externo de um país reflete gastos improdutivos do governo.
Tudo isso somado são más notícias para a América Latina. Com a incerteza prejudicando os mercados de ações e o rendimento dos títulos americanos em seu patamar mais baixo em 30 anos, grandes volumes de liquidez estão borbulhando em torno das economias industriais avançadas, procurando um investimento -qualquer investimento- que prometa rendimentos razoáveis.

Brasil
Não é de surpreender que os fundos estrangeiros estejam inundando o Brasil, atraídos pelo alto rendimento das obrigações da dívida do país. Os mesmos bancos de investimentos que estavam tão pessimistas sobre o Brasil no ano passado hoje recomendam que seus clientes "valorizem" o país, exatamente porque ele oferece os únicos investimentos de "alto rendimento" encontrados.
Em breve, porém, os crescentes déficits orçamentários dos Estados Unidos começarão a absorver essa liquidez. O aumento das taxas de juros em todo o mundo tornará mais difícil para o Brasil servir suas obrigações existentes. Sobretudo a desaceleração do crescimento global resultante desse clima desfavorável aos investimentos tornará mais difícil para o Brasil exportar -seu caminho para sair das atuais dificuldades. Para o Brasil, essa é a "calmaria antes da tempestade" em mais de um sentido da expressão.
O novo governo brasileiro fez tudo o que se podia pedir para restaurar a confiança dos investidores internacionais e colocar o país no caminho da recuperação sustentável. Lamentavelmente, e por motivos que não são de sua responsabilidade, o país está prestes a sofrer um grande tropeço nessa estrada.


Barry Eichengreen é professor de economia e ciência política na Universidade da Califórnia em Berkeley.

Tradução de Luiz Roberto Gonçalves


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