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São Paulo, domingo, 16 de março de 2003

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ECONOMIA BOMBARDEADA

Moeda dos EUA perdeu valor perante a da UE e pode deixar de ser referência nesse tipo de negócio

Euro pode tirar "dolarização" do petróleo

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

A possibilidade de uma nova intervenção militar dos Estados Unidos no Oriente Médio e o fortalecimento do euro em relação à moeda norte-americana reavivaram as especulações sobre uma possível substituição, no futuro, do dólar pela moeda européia como referência para negociações com petróleo.
A discussão não é nova. Seus ingredientes é que mudaram.
Nos últimos 12 meses, o dólar perdeu 25% de seu valor em relação ao euro. Ao mesmo tempo, países produtores de gás e petróleo do mundo árabe têm alcançado volumes crescentes de comércio com a União Européia.
A adoção do euro como referência, nesses casos, eliminaria eventuais prejuízos com a flutuação do dólar e o pagamento de taxas para a conversão de divisas.
""A valorização do euro pode, efetivamente, mudar as regras do jogo", disse à Folha Youssef Ibrahim, da Energy Intelligence, órgão dos EUA especializado em publicações e análises na área de petróleo desde a década de 50.
""Para países que vendem gás e petróleo para a Europa e compram a maior parte de seus produtos da região, certamente a negociação em euro começa a fazer sentido", diz Ibrahim. Segundo ele, Irã, Rússia e Argélia se enquadram nesse perfil.
O Irã, colocado pelos EUA no "eixo do mal" junto de Iraque e Coréia do Norte, já ensaiou por duas vezes trocar o dólar pelo euro nas negociações de seu óleo. Cerca de 35% das vendas de petróleo do país são para a Europa.
A Rússia, atualmente o maior produtor de óleo do mundo, já iniciou tratativas para negociar em euros com a Alemanha em operações no mercado futuro.
Em discurso proferido na Espanha em abril do ano passado, Javad Yarjani, chefe do departamento de análises da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep), disse que sua organização "não descartaria a possibilidade" de adotar o euro como moeda no futuro.
À época, Yarjani ressaltou que a hipótese dependeria, em boa medida, da "valorização e da estabilidade" do euro.
Em entrevista à "Folha de Viena", Áustria, na semana passada, Yarjani afirmou que a decisão de fazer a transição do dólar para o euro depende, em boa medida, "dos países que produzem e vendem petróleo e do seu volume de negócios com países europeus".
Cerca de 45% das importações de bens e produtos dos países-membros da Opep provêm hoje da União Européia -que, por sua vez, compra a maior parte de seu óleo dos sócios do cartel.
Yarjani afirma que uma eventual mudança teria de abranger também as várias Bolsas do mundo que negociam petróleo denominado em dólares. ""Não é uma tarefa fácil, pois trata-se de uma questão histórica", diz.
A hipótese de substituição do dólar pelo euro nesse ramo equivaleria ao pior pesadelo econômico possível para os EUA.
A dolarização do petróleo é uma das chaves para o sucesso econômico americano. Países que importam petróleo normalmente são obrigados a manter grandes reservas de dólares. E os que exportam tendem a investir os dólares que ganham nas vendas diretamente nos EUA.
O volume de dólares circulando na economia mundial, algo em torno de US$ 3 trilhões, permite aos Estados Unidos manterem déficits comerciais permanentes.
Se a transição para o euro ocorresse, a moeda comum européia tenderia a se valorizar mais, já que mais países a comprariam para pagar pelo óleo. Consequentemente, o dólar viria abaixo.
Atualmente, um único país vende petróleo em euros, o Iraque -daí também boa parte das especulações de que os EUA planejam a invasão por causa do óleo. Mas o fato é que o Iraque só recebe o valor de suas vendas em euros. A cotação ainda é denominada em dólares.
Segundo Yarjani, dois outros fatores poderiam impulsionar a troca do dólar pelo euro: se os dois maiores produtores de petróleo da Europa, Reino Unido e Noruega, adotassem o euro; e se boa parte dos bancos centrais mundiais substituísse reservas em dólares por euros.
A valorização da moeda européia, no entanto, pode gerar o efeito inverso. "Há dois anos, o óleo estava caro para os europeus. Agora eles levam uma enorme vantagem ao pagar em dólares", diz Yarjani.


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