São Paulo, sexta-feira, 16 de abril de 2004

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ARTIGO

BC perde oportunidade e poderá ter de elevar juros

SILVIA DOMIT
ESPECIAL PARA A FOLHA

Havia tempos a janela de oportunidade não era tão grande para a redução dos juros nominais no Brasil quanto a que se instaurou em 2003. Essa possibilidade era vista desde o início do ano, com os indicadores de inflação mostrando queda e o cenário internacional amplamente favorável, graças aos baixos juros nos EUA e ao conseqüente fluxo de capitais para países emergentes.
A chance não foi aproveitada em 2003, e os juros demoraram a cair. Mesmo após o resultado desastroso do ano passado (o PIB apresentou queda de 0,2%), as autoridades monetárias não mudaram sua posição e continuaram se mostrando reticentes à redução da taxa Selic.
Se por um lado a política do Copom não mudou, o cenário internacional se alterou de 2003 para 2004, com a perspectiva de elevação do juro nos EUA e, conseqüentemente, do fim da trajetória de queda da Selic.
Assumindo que o Copom continue cortando 0,25 ponto a cada reunião, a taxa Selic atingiria 15% ao ano em agosto, a partir de quando se intensificam as apostas de elevação de juros nos EUA. Além disso, os 15% se tornaram um patamar psicológico. Ultrapassá-lo requer um ambiente estável e favorável interna e externamente. Não é o cenário de 2004.
Enquanto a janela de oportunidade se fecha, o BC continua imóvel em sua perseguição do centro da meta da inflação, que estabeleceu como objetivo primordial da política econômica. O sistema de metas de inflação no Brasil, um país emergente e dependente de capital externo, combinado com tarifas indexadas de setores semimonopolistas ou monopolistas, requer juros mais altos.
Com o elevado grau de repasse das oscilações do câmbio para o IPCA (tanto pelo câmbio em si quanto pelos preços administrados), os juros precisam ficar altos para compensar a variação dos preços sobre os quais a política monetária não tem efeito com a queda dos preços livres da economia, o que é feito com contenção da atividade.
À medida que cresce a possibilidade de ganhos em outros mercados, os investidores passam a melhor analisar suas posições. Os que apostaram no Brasil irão enxergar um setor público amplamente endividado, um cenário político de pouca coesão e resultados duvidosos, reformas inacabadas e ineficazes, bem como um ajuste externo pautado em fatores favoráveis: preços de commodities altos e atividade interna fraca.
Nesse caso, a uma pequena desvalorização do real pode seguir uma inversão do fluxo e, quando a saída de capitais se instaurar, os juros não poderão cair para poder amenizar o movimento e seus efeitos sobre o câmbio e a inflação. Dependendo da magnitude desse movimento, ele pode até requerer elevação da Selic.
Em resumo, o Brasil está perdendo a chance de testar novos pisos para os juros. Até o fim do ano essa janela tende a se fechar mais. O alerta fica para a intensidade do movimento de alta da Selic, caso necessário. A dose e o período de aplicação da política monetária serão preponderantes para determinar se ela irá apertar estritamente o necessário ou se irá seguir estrangulando a economia.


Silvia Domit é analista econômica da consultoria Global Invest

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