São Paulo, domingo, 16 de abril de 2006

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VIZINHOS EM CONFLITO

Divergência entre Argentina e Uruguai sobre instalação de fábricas de celulose na fronteira vira crise diplomática

Brasil intervém na "guerra das papeleiras"

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA A GUALEGUAYCHÚ

O recrudescimento da crise diplomática entre Uruguai e Argentina nos últimos dias fez o Brasil procurar os sócios do Mercosul para tratar do tema e tentar destravar a chamada "guerra das papeleiras" -o conflito entre os vizinhos pela instalação, em território uruguaio, de duas multinacionais produtoras de celulose.
Embora a diplomacia brasileira repita que se trata de um problema bilateral, e não do Mercosul, antes de viajar ao Japão o chanceler Celso Amorim conversou com todos os envolvidos na questão. Telefonou duas vezes para o colega uruguaio, Reinaldo Gargano. Falou do assunto com o chanceler argentino, Jorge Taiana. Também ouviu Leila Rachid, chanceler do Paraguai, o outro sócio do bloco que assiste à disputa.
Amorim conversou também com a chancelaria da Finlândia. É que no centro do conflito está a finlandesa Botnia, uma das indústrias em obras no Uruguai. Com 30% de suas instalações construídas na cidade uruguaia de Fray Bentos, a Botnia anunciou investimento de US$ 1 bilhão na fábrica -o maior investimento da história do Uruguai e o maior dos finlandeses fora do país.
A preocupação finlandesa com os rumos do crise também chegou ao Planalto. A presidente da Finlândia, Tarja Halonen, falou diretamente com Lula no encontro que tiveram no dia 6.

Estaca zero
Enquanto Halonen se reunia com o presidente brasileiro, o conflito entre Uruguai e Argentina dava sinais de que está longe do fim. E foi justamente a Botnia que colocou a última pedra na tentativa de trégua entre os países.
Em março, os presidentes uruguaio, Tabaré Vázquez, e argentino, Néstor Kirchner, acertaram uma trégua de 90 dias. O trato é que as "papeleiras" paralisariam suas obras enquanto se fazia um estudo independente do impacto ambiental (as fábricas estão sendo construídas às margens do rio Uruguai, fronteira entre Argentina e Uruguai, águas de uso compartilhado pelos vizinhos).
Em troca, os ambientalistas e os moradores das cidades argentinas na fronteira -Gualeguaychú e Colón- que protestam contra as obras liberaram as passagens terrestres com o Uruguai, bloqueadas havia mais de 40 dias.
Dias depois, ruiu a tentativa de encontro entre Vázquez e Kirchner -e a Botnia anunciou que só pararia as obras por dez dias. A decisão causou reação em Gualeguaychú, que voltou a fazer os bloqueios por tempo indeterminado. Em pleno feriado da Semana Santa, apenas uma passagem terrestre entre os vizinhos ficou liberada (leia texto nesta página).
Com as negociações de volta à estaca zero, e com os apelos do Uruguai para levar a questão ao Mercosul e a tribunais internacionais, ficou difícil para Brasília apenas acompanhar o conflito. O Uruguai diz que os piquetes já causaram perdas de US$ 400 milhões. E, se continuarem, até exportações brasileiras que usam as estradas como rota alternativa ao Chile poderiam ser afetadas.
A intervenção de Amorim, nos bastidores, na crise de proporções inéditas no Mercosul acontece às vésperas da cúpula América Latina e UE. Programada para maio, a reunião é considerada simbólica para as negociações com a Europa. Além de já azedar as reuniões entre os sócios, a "guerra" entre os vizinhos também causa problemas à imagem do Mercosul.

Simpatia pró-Uruguai
Apesar de enxergar erro nas atitudes de uruguaios e de argentinos, há uma certa simpatia pró-Uruguai na diplomacia brasileira.
A percepção é que eventual desistência dos finlandeses e dos espanhóis -donos da segunda fábrica- em pôr dinheiro no país pode afugentar negócios e aproximar mais os uruguaios dos Estados Unidos.
Além das reiteradas defesas de seus ministros de um acordo de livre comércio com os americanos, Vázquez tem encontro agendado para maio com George W. Bush.


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