São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 2008

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ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Uma idéia "muy amiga"


A experiência argentina com metas para a taxa de câmbio está, pois, levando o país ao descontrole inflacionário

A USINA de más idéias não parece fechar. Seu mais recente produto é a proposta de alteração do modus operandi do Banco Central, que, em vez de ter a inflação como meta, passaria a ajustar a política monetária com o objetivo de manter a taxa de câmbio a níveis considerados "competitivos". Não é preciso, porém, sequer entrar na controvérsia sobre qual é o nível "competitivo" do câmbio (os iluminados que hoje juram que o câmbio de equilíbrio é de R$ 2,30 contra o dólar previram uma crise do balanço de pagamentos quando o câmbio baixou a menos de R$ 3,50) para mostrar que essa idéia não faz o menor sentido, como freqüentemente acontece nestas plagas.
Há nela um problema primário: confunde a taxa nominal de câmbio (a cotação da moeda) com a taxa real de câmbio, aquela ajustada pela diferença da inflação entre países. Implícita à idéia há a noção de que o BC pode fixar a taxa real de câmbio, isto é, controlar a taxa nominal e, simultaneamente, a inflação, mas, como veremos, trata-se de uma impossibilidade.
Não é difícil controlar a taxa nominal de câmbio. No limite, o BC sempre pode fixá-la, ou, mesmo que não a fixe formalmente, pode, pela compra e venda de moeda estrangeira, devidamente apoiada pela política monetária, manter a taxa de câmbio no patamar que desejar. O truque está na definição da política monetária: a taxa interna de juros (ajustada pelo risco) não pode ser diferente da taxa internacional de juros. Se for superior à taxa internacional, a moeda tende a se apreciar, e, se for inferior a esta, a taxa tende a se depreciar.
Note-se que, em tal situação, não há decisão sobre a taxa local de juros, pois ela sempre será balizada pela taxa internacional, isto é, sob regimes de câmbio (quase) fixo, a política monetária deixa de ser autônoma. No entanto, não há garantia nenhuma de que a taxa de juros coerente com determinado patamar da taxa de câmbio também seja congruente com o equilíbrio interno, um fenômeno que uma breve olhada a sul da fronteira pode iluminar.
Assim, no período 1999-2001, a Argentina, sob o regime da conversibilidade, precisou conviver com taxas reais de juros extremamente elevadas, refletindo os prêmios de risco externo, passando por três anos de deflação até o colapso final.
Agora, sob condições antípodas (preços de exportação em alta e taxa internacionais mais baixas), o problema é exatamente o oposto, ou seja, a inflação se acelera rapidamente. Como há sérios reparos à qualidade da medida de inflação (oficialmente 8,8% até março), devemos usar uma medida alternativa, o deflator do PIB, segundo o qual a inflação se encontrava próxima a 18% ao final de 2007.
Isto dito, se a inflação local supera, em muito, a externa, a taxa real de câmbio na Argentina deve ter se apreciado, a despeito da estabilidade da taxa nominal de câmbio (entre 3,10 e 3,15 pesos por dólar). De fato, usando o deflator do PIB como medida de inflação, podemos mostrar que a taxa real de câmbio na Argentina se apreciou em cerca de 20% desde o final de 2004.
A experiência argentina com metas para a taxa de câmbio está, pois, levando aquela economia ao descontrole inflacionário, sem evitar a apreciação da moeda em termos reais, apesar de seu gasto primário crescer menos de 4% ao ano descontada a inflação. Imagine o efeito da adoção desse regime num país cujo gasto primário cresce 9% ao ano acima da inflação. É mesmo uma proposta "muy amiga"...


ALEXANDRE SCHWARTSMAN , 45, é economista-chefe para América Latina do Banco Real, doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.

Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/

alexandre.schwartsman@hotmail.com


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