São Paulo, quinta-feira, 16 de maio de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Economia e campanha eleitoral

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Como seria de esperar, questões econômicas estão tendo bastante destaque na campanha presidencial. A crise da economia argentina, por exemplo, virou uma espécie de espantalho, um instrumento para intimidar o eleitor.
A prudência é uma característica louvável do brasileiro. O eleitor não está contente e deseja mudanças. Por outro lado, não quer confusão -e muito menos viver um drama "à la" Argentina. A mensagem, explícita ou implícita, dos porta-vozes do continuísmo é mais ou menos a seguinte: olhem para a Argentina e vejam o que pode acontecer com países que não preservam a estabilidade econômica.
Bem. Nos meus 20 e tantos anos de atividade como economista, já vi muita picaretagem, mas essa talvez seja uma das piores. A Argentina é, justamente, um caso dramático de um país que fez o "dever de casa", sob aplausos internacionais, e entrou por um cano deslumbrante.
Durante a década de 90, a Argentina foi transformada em uma espécie de laboratório para as doutrinas econômicas preconizadas pelo chamado Consenso de Washington. Poucos países foram tão longe em matéria de liberalização, privatização e integração internacional. Ao leitor interessado no tema, sugiro a consulta ao mais recente número da revista "Estudos Avançados", do Instituto de Estudos Avançados da USP, lançado anteontem, que traz vários artigos sobre a catástrofe argentina (www.usp.br/iea/revista).
Não vamos esquecer que a Argentina era apontada, aqui no Brasil, como exemplo não só no campo econômico mas também no político. Fernando de la Rúa foi eleito presidente da Argentina em fins de 1999, derrotando o candidato da situação. No entanto assumiu o compromisso, que cumpriu rigorosamente, de manter o modelo econômico implantado pelo seu antecessor, Carlos Menem. O resultado foi um desastre. Mas, antes que o desastre ocorresse, muitos elogiaram a "maturidade" da Argentina, país em que a alternância no poder podia ocorrer sem mudança no modelo econômico...
A desfaçatez é uma característica marcante dos governantes brasileiros. Querem atribuir a responsabilidade pelas turbulências financeiras das últimas semanas à campanha eleitoral, e em especial aos candidatos de oposição. O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, por exemplo, criticou a falta de coerência dos programas econômicos dos candidatos à Presidência e recomendou que todos deixassem clara a sua disposição de preservar as "grandes conquistas" do período Fernando Henrique Cardoso.
"Grandes conquistas". Vejamos algumas delas:
1) A dívida líquida do setor público como um todo (incluindo União, Estados, municípios e empresas estatais), que era inferior a 30% do PIB em fins de 1994, alcança atualmente 55% do PIB. Note-se que isso ocorreu apesar de um grande aumento da carga tributária e da implementação do que alguns chamaram de "o maior programa de privatização do mundo".
2) A dívida do governo federal em títulos (exclusive papéis na carteira do Banco Central) subiu de R$ 61,8 bilhões em dezembro de 1994 para nada menos que R$ 626,3 bilhões em março de 2002.
3) Cerca de 80% dessa dívida federal em títulos é composta de papéis pós-fixados, com remuneração referenciada aos juros de curto prazo, ou de papéis cambiais, indexados à variação do câmbio. Isso deixa as finanças governamentais muito vulneráveis a aumentos da taxa de juro e da taxa de câmbio.
4) Medido pelos déficits acumulados no balanço de pagamentos em conta corrente, o aumento líquido da dívida externa e dos demais passivos do Brasil foi da ordem de US$ 180 bilhões entre 1995 e 2001, em larga medida como resultado da desastrada combinação de sobrevalorização cambial (até 1998) e abertura precipitada do mercado interno às importações.
5) Em consequência do aumento do passivo externo, o Brasil hoje suporta pesada carga de pagamentos ao exterior. As despesas líquidas com os juros da dívida externa e a remessas de lucros e dividendos totalizaram US$ 19,8 bilhões em 2001. As amortizações do principal da dívida chegaram a US$ 35,2 bilhões.
Não obstante, o presidente do Banco Central considera que os "fundamentos" da economia são bons e que o papel dos candidatos à Presidência é indicar que continuaremos no "caminho certo"...
Em tempo: a fonte de todas as estatísticas acima mencionadas é o próprio Banco Central do Brasil (www.bcb.gov.br).


Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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