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OPINIÃO ECONÔMICA
Economia e campanha eleitoral
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Como seria de esperar, questões econômicas estão tendo
bastante destaque na campanha
presidencial. A crise da economia
argentina, por exemplo, virou
uma espécie de espantalho, um
instrumento para intimidar o
eleitor.
A prudência é uma característica louvável do brasileiro. O eleitor
não está contente e deseja mudanças. Por outro lado, não quer
confusão -e muito menos viver
um drama "à la" Argentina. A
mensagem, explícita ou implícita,
dos porta-vozes do continuísmo é
mais ou menos a seguinte: olhem
para a Argentina e vejam o que
pode acontecer com países que
não preservam a estabilidade
econômica.
Bem. Nos meus 20 e tantos anos
de atividade como economista, já
vi muita picaretagem, mas essa
talvez seja uma das piores. A Argentina é, justamente, um caso
dramático de um país que fez o
"dever de casa", sob aplausos internacionais, e entrou por um cano deslumbrante.
Durante a década de 90, a Argentina foi transformada em
uma espécie de laboratório para
as doutrinas econômicas preconizadas pelo chamado Consenso de
Washington. Poucos países foram
tão longe em matéria de liberalização, privatização e integração
internacional. Ao leitor interessado no tema, sugiro a consulta ao
mais recente número da revista
"Estudos Avançados", do Instituto de Estudos Avançados da USP,
lançado anteontem, que traz vários artigos sobre a catástrofe argentina (www.usp.br/iea/revista).
Não vamos esquecer que a Argentina era apontada, aqui no
Brasil, como exemplo não só no
campo econômico mas também
no político. Fernando de la Rúa
foi eleito presidente da Argentina
em fins de 1999, derrotando o candidato da situação. No entanto
assumiu o compromisso, que
cumpriu rigorosamente, de manter o modelo econômico implantado pelo seu antecessor, Carlos
Menem. O resultado foi um desastre. Mas, antes que o desastre
ocorresse, muitos elogiaram a
"maturidade" da Argentina, país
em que a alternância no poder podia ocorrer sem mudança no modelo econômico...
A desfaçatez é uma característica marcante dos governantes brasileiros. Querem atribuir a responsabilidade pelas turbulências
financeiras das últimas semanas
à campanha eleitoral, e em especial aos candidatos de oposição. O
presidente do Banco Central, Armínio Fraga, por exemplo, criticou a falta de coerência dos programas econômicos dos candidatos à Presidência e recomendou
que todos deixassem clara a sua
disposição de preservar as "grandes conquistas" do período Fernando Henrique Cardoso.
"Grandes conquistas". Vejamos
algumas delas:
1) A dívida líquida do setor público como um todo (incluindo
União, Estados, municípios e empresas estatais), que era inferior a
30% do PIB em fins de 1994, alcança atualmente 55% do PIB.
Note-se que isso ocorreu apesar de
um grande aumento da carga tributária e da implementação do
que alguns chamaram de "o
maior programa de privatização
do mundo".
2) A dívida do governo federal
em títulos (exclusive papéis na
carteira do Banco Central) subiu
de R$ 61,8 bilhões em dezembro de
1994 para nada menos que R$
626,3 bilhões em março de 2002.
3) Cerca de 80% dessa dívida federal em títulos é composta de papéis pós-fixados, com remuneração referenciada aos juros de curto prazo, ou de papéis cambiais,
indexados à variação do câmbio.
Isso deixa as finanças governamentais muito vulneráveis a aumentos da taxa de juro e da taxa
de câmbio.
4) Medido pelos déficits acumulados no balanço de pagamentos
em conta corrente, o aumento líquido da dívida externa e dos demais passivos do Brasil foi da ordem de US$ 180 bilhões entre 1995
e 2001, em larga medida como resultado da desastrada combinação de sobrevalorização cambial
(até 1998) e abertura precipitada
do mercado interno às importações.
5) Em consequência do aumento do passivo externo, o Brasil hoje
suporta pesada carga de pagamentos ao exterior. As despesas líquidas com os juros da dívida externa e a remessas de lucros e dividendos totalizaram US$ 19,8 bilhões em 2001. As amortizações do
principal da dívida chegaram a
US$ 35,2 bilhões.
Não obstante, o presidente do
Banco Central considera que os
"fundamentos" da economia são
bons e que o papel dos candidatos
à Presidência é indicar que continuaremos no "caminho certo"...
Em tempo: a fonte de todas as
estatísticas acima mencionadas é
o próprio Banco Central do Brasil
(www.bcb.gov.br).
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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