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ENCONTRO
Reuniões na Espanha entre representantes europeus e latino-americanos devem ser exercícios de relações públicas
Cúpulas reúnem UE e América Latina
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
O presidente Fernando Henrique Cardoso desembarcou ontem, no fim da noite, em Madri, para participar de duas reuniões
de cúpula que não passarão de
exercício de relações públicas.
A maior das cúpulas é também
a de menos substância: reúne os
15 países da UE (União Européia)
com os 33 países da América Latina e do Caribe, um conglomerado
tão heterogêneo que é capaz de
abrigar a terceira maior economia
do mundo (Alemanha) e alguns
dos países mais pobres do planeta
(Haiti, Nicarágua, Bolívia, por
exemplo).
A segunda cúpula é menor mas
mais suculenta: se dará entre a UE
e os quatro países do Mercosul
(Argentina, Brasil, Paraguai e
Uruguai).
Os dois blocos estão negociando, desde 1995, a criação de uma
zona de livre comércio, que, se e
quando concluída, será a maior
do mundo.
Em tese, reuniões de cúpula
sempre servem para dar urgência
e concretude a esse tipo de negociações, mas a reunião de Madri
colheu um dos lados, o do Sul, paralisado por virulentas crises na
Argentina, principalmente, mas
também no Uruguai.
Além disso, os europeus também têm seus próprios problemas, na forma de eleições na
França (as presidenciais que se
deram durante o período preparatório para a cúpula e as legislativas, em junho).
A França é justamente o país europeu que menos inclinação mostra para fazer concessões na área
agrícola, que a Europa protege
fortemente. Liberalizar o comércio agrícola é justamente a maior
reivindicação do Mercosul.
Reivindicação apoiada em números imponentes: um estudo da
ONG britânica Oxfam diz que a
América Latina perde cerca de
US$ 4 bilhões por ano devido à
proteção que a Europa concede a
seus produtores.
Apenas o Brasil aumentaria
suas exportações de produtos
agrícolas em US$ 3 bilhões, até
2005, caso o muro protecionista
ruísse na Europa.
Essa hipótese é, no entanto, remota. O bloco econômico europeu prefere fazer concessões na
agricultura somente no âmbito
das negociações planetárias programadas pela OMC (Organização Mundial do Comércio) para
durarem, precisamente, até 2005.
As dificuldades para negociar liberalização comercial fizeram
com que o foco da cúpula União
Européia/Mercosul fosse deslocado para as duas outras vertentes
da negociação, a política e a de
cooperação.
Já a outra cúpula, como não inclui negociações comerciais, fica
toda restrita às generosas declarações de intenções políticas e de
cooperação.
O programa de ação para o período 2002/2006, a ser referendado na cúpula de Madrid, contém
três "âmbitos prioritários": proteção aos direitos humanos, promoção da sociedade de informação e redução dos desequilíbrios
sociais, mediante enfoque global
na luta contra a pobreza.
A novidade é a ênfase na tecnologia da informação. Este ano, será lançado um programa chamado @LIS (Aliança para a Sociedade da Informação), criado em
2001. Com recursos de 63,5 milhões (pouco mais de US$ 57 milhões), tem por objetivo a cooperação entre as duas regiões tanto
na área técnica e normativa como
em 20 projetos pilotos nos campos de saúde, educação, urbanismo e governança (o governo eletrônico).
Esta segunda vertente é uma via
de mão única. A Europa, incomparavelmente mais rica, é quem
cria programas, com os respectivos recursos, para ajudar no desenvolvimento da América Latina
e do Caribe.
As duas cúpulas ocorrem em
um momento de desencanto na
maior parte dos países latino-americanos e caribenhos. Superada a euforia com a restauração da
democracia, a partir dos anos 80,
e com as reformas econômicas
pró-mercado, obviamente aplaudidas por estes, na década seguinte, os números são sombrios: o
crescimento econômico da região, em 2001, foi de insignificante
0,6%. Este ano, não irá além de
0,5%.
Conjuntura ruim à parte, a
América Latina/Caribe é também
um gigantesco depósito de pobres: 200 milhões em 500 milhões
de habitantes, como lembra o "Informe Estratégico Regional sobre
América Latina", editado no mês
passado pela Comissão Européia,
o braço executivo do conglomerado europeu.
O "Informe" lembra igualmente
que a América é, das regiões do
mundo, a de mais acentuada desigualdade social.
Nada disso, entretanto, afasta o
caráter estratégico que a Europa
vem dando a sua aproximação
com a América Latina em geral,
mas com o Mercosul muito particularmente.
A razão não é nada sentimental,
apesar de todos os países da América Latina/Caribe serem ex-colônias de países europeus. É a luta
por fatia de mercado. O "Informe
Estratégico" lembra que a fatia
dos Estados Unidos no mercado
latino-americano subiu, de 1980 a
2000, de 35% para 47%, ao passo
que o naco europeu na região se
reduziu, no mesmo período, de
20% para 15%.
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