São Paulo, quinta-feira, 16 de maio de 2002

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ENCONTRO

Reuniões na Espanha entre representantes europeus e latino-americanos devem ser exercícios de relações públicas

Cúpulas reúnem UE e América Latina

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

O presidente Fernando Henrique Cardoso desembarcou ontem, no fim da noite, em Madri, para participar de duas reuniões de cúpula que não passarão de exercício de relações públicas.
A maior das cúpulas é também a de menos substância: reúne os 15 países da UE (União Européia) com os 33 países da América Latina e do Caribe, um conglomerado tão heterogêneo que é capaz de abrigar a terceira maior economia do mundo (Alemanha) e alguns dos países mais pobres do planeta (Haiti, Nicarágua, Bolívia, por exemplo).
A segunda cúpula é menor mas mais suculenta: se dará entre a UE e os quatro países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai).
Os dois blocos estão negociando, desde 1995, a criação de uma zona de livre comércio, que, se e quando concluída, será a maior do mundo.
Em tese, reuniões de cúpula sempre servem para dar urgência e concretude a esse tipo de negociações, mas a reunião de Madri colheu um dos lados, o do Sul, paralisado por virulentas crises na Argentina, principalmente, mas também no Uruguai.
Além disso, os europeus também têm seus próprios problemas, na forma de eleições na França (as presidenciais que se deram durante o período preparatório para a cúpula e as legislativas, em junho).
A França é justamente o país europeu que menos inclinação mostra para fazer concessões na área agrícola, que a Europa protege fortemente. Liberalizar o comércio agrícola é justamente a maior reivindicação do Mercosul.
Reivindicação apoiada em números imponentes: um estudo da ONG britânica Oxfam diz que a América Latina perde cerca de US$ 4 bilhões por ano devido à proteção que a Europa concede a seus produtores.
Apenas o Brasil aumentaria suas exportações de produtos agrícolas em US$ 3 bilhões, até 2005, caso o muro protecionista ruísse na Europa.
Essa hipótese é, no entanto, remota. O bloco econômico europeu prefere fazer concessões na agricultura somente no âmbito das negociações planetárias programadas pela OMC (Organização Mundial do Comércio) para durarem, precisamente, até 2005.
As dificuldades para negociar liberalização comercial fizeram com que o foco da cúpula União Européia/Mercosul fosse deslocado para as duas outras vertentes da negociação, a política e a de cooperação.
Já a outra cúpula, como não inclui negociações comerciais, fica toda restrita às generosas declarações de intenções políticas e de cooperação.
O programa de ação para o período 2002/2006, a ser referendado na cúpula de Madrid, contém três "âmbitos prioritários": proteção aos direitos humanos, promoção da sociedade de informação e redução dos desequilíbrios sociais, mediante enfoque global na luta contra a pobreza.
A novidade é a ênfase na tecnologia da informação. Este ano, será lançado um programa chamado @LIS (Aliança para a Sociedade da Informação), criado em 2001. Com recursos de 63,5 milhões (pouco mais de US$ 57 milhões), tem por objetivo a cooperação entre as duas regiões tanto na área técnica e normativa como em 20 projetos pilotos nos campos de saúde, educação, urbanismo e governança (o governo eletrônico).
Esta segunda vertente é uma via de mão única. A Europa, incomparavelmente mais rica, é quem cria programas, com os respectivos recursos, para ajudar no desenvolvimento da América Latina e do Caribe.
As duas cúpulas ocorrem em um momento de desencanto na maior parte dos países latino-americanos e caribenhos. Superada a euforia com a restauração da democracia, a partir dos anos 80, e com as reformas econômicas pró-mercado, obviamente aplaudidas por estes, na década seguinte, os números são sombrios: o crescimento econômico da região, em 2001, foi de insignificante 0,6%. Este ano, não irá além de 0,5%.
Conjuntura ruim à parte, a América Latina/Caribe é também um gigantesco depósito de pobres: 200 milhões em 500 milhões de habitantes, como lembra o "Informe Estratégico Regional sobre América Latina", editado no mês passado pela Comissão Européia, o braço executivo do conglomerado europeu.
O "Informe" lembra igualmente que a América é, das regiões do mundo, a de mais acentuada desigualdade social.
Nada disso, entretanto, afasta o caráter estratégico que a Europa vem dando a sua aproximação com a América Latina em geral, mas com o Mercosul muito particularmente.
A razão não é nada sentimental, apesar de todos os países da América Latina/Caribe serem ex-colônias de países europeus. É a luta por fatia de mercado. O "Informe Estratégico" lembra que a fatia dos Estados Unidos no mercado latino-americano subiu, de 1980 a 2000, de 35% para 47%, ao passo que o naco europeu na região se reduziu, no mesmo período, de 20% para 15%.



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