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ENTREVISTA/LUIZ GONZAGA BELLUZZO
"Lula corre risco muito grande de déficit externo"
Economista quer frear crédito e diz que erro do BC eleva custo de combate à inflação
O PAULISTANO Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, 65, um casal de filhos, "duas ex-mulheres ótimas", é um dos principais conselheiros econômicos informais do
presidente Lula. Classifica-se ideologicamente como
"keynesiano socialista reformista". Nesta entrevista,
esse bem-humorado palmeirense revela as sugestões
que dá ao corintiano Lula. Fala da crise internacional
e defende ação do governo em negócios privados.
KENNEDY ALENCAR
EM SÃO PAULO
FOLHA - O maior problema da nossa economia é a inflação ou o câmbio valorizado?
LUIZ GONZAGA DE MELLO BELLUZZO -
Os dois. A valorização do câmbio reflete um equívoco intertemporal, palavra feia, da política monetária. Quando ocorreu a grande melhoria do cenário externo, o Brasil deveria ter
baixado os juros mais do que
baixou para impedir que o câmbio se valorizasse tanto. Hoje, é
um problema pensar numa
desvalorização cambial porque
estamos no meio de um choque
de commodities.
FOLHA - Agora estamos elevando
uma taxa de juros real, a mais alta
do planeta, por causa da inflação.
BELLUZZO - Exatamente. Estamos nessa situação porque o
passado importa, ao contrário
do que dizem os economistas.
Há países em situação pior por
conta da maior vulnerabilidade
ao choque de commodities.
Não podemos separar os fatores internos e externos. É claro
que há um choque externo que
pega a economia num momento de grande aceleração da demanda, e isso tem efeitos para
contaminar o resto dos preços.
É só olhar o núcleo da inflação.
A inflação cheia está se acelerando, mas o núcleo também
está.
FOLHA - O que é o núcleo?
BELLUZZO - Excluem-se os preços mais voláteis, como energia
e alimentos. Com a demanda
acelerada, a inflação começa a
se espalhar pelo sistema de preços como um todo.
FOLHA - Há descoordenação entre
as políticas fiscal e monetária? O BC
precisa ser mais rigoroso ao elevar
os juros para compensar um esforço
fiscal aquém do necessário agora?
BELLUZZO - Houve custos fiscais
com a política monetária. É
preciso reequilibrar o jogo. É
preciso o mínimo de compatibilidade entre as políticas fiscal
e monetária. Por conta do passado, tem um pé que está faltando. Armínio Fraga [ex-presidente do BC] sugeriu regra de
crescimento do gasto público.
Se o PIB cresce a 5% ao ano, o
gasto público cresceria até 2%,
2,5%. Estou de acordo.
FOLHA - O sr. participa de reuniões
com Lula na qualidade de conselheiro. Por que ele não adota essa regra?
BELLUZZO - Foi sugestão sensata do Armínio, mas não foi discutida por nós. Falamos no aumento do superávit primário. A
regra do Armínio é menos rigorosa do que recomendamos eu,
o Delfim Netto [economista e
ex-deputado federal], o Luciano Coutinho [presidente do
BNDES] e o Guido [Mantega,
ministro da Fazenda].
FOLHA - Existe a equipe econômica
do B? Como são as reuniões de conselheiros econômicos com Lula?
BELLUZZO - Não existe equipe
econômica do B. O Guido Mantega e o Henrique Meirelles
[presidente do BC] estão lá presentes. Eles muitas vezes contestam veementemente o que a
gente diz. O debate é assim
mesmo. É preciso aprender a
ter as suas idéias contestadas.
No Brasil, o sujeito fica irritado
quando alguém discorda dele.
As reuniões são informais.
Quando uma pessoa dá uma cavalada na outra, Lula pede para
parar. Ele ouve muito. A discussão é aberta. Cada um fala o que
acha. A Dilma [Rousseff, ministra da Casa Civil] vai quando
pode. O Ciro [Gomes, deputado
federal pelo PSB do Ceará] e o
Aloizio Mercadante [senador
do PT paulista] também.
FOLHA - A descoordenação das políticas fiscal e monetária legará
bomba-relógio ao sucessor de Lula?
BELLUZZO - Não, pelo seguinte:
o Lula tem uma peculiaridade.
Ao contrário de outras personalidades, ele não tem medo de
olhar a dificuldade de frente.
Reconhece que é uma situação
difícil. Ele disse: "Vamos nos
antecipar para impedir que a situação chegue a um ponto irreversível". O Lula sabe que a inflação pega em cheio as classes
menos abastadas porque viveu
essa experiência na pele.
FOLHA - O governo elevou a meta
de superávit primário de 3,8% do
PIB para 4,3%. Nos bastidores, diz-se
no governo que esse superávit pode
chegar a 4,5% na gestão do caixa.
BELLUZZO - Pode, mas não quero me meter na gestão do Guido
[Mantega]. Ele já está suficientemente pressionado. Acho que
pode chegar a 4,5%, sim. Dependerá da gestão. O que sugeri
é que tem de ser mais de 4,3%.
FOLHA - Essa elevação do superávit
amenizará a alta dos juros?
BELLUZZO - O choque inflacionário e sua disseminação não
são de fácil administração. A inflação ficará acima do centro da
meta, que é de 4,5% ao ano. [A
elevação do superávit] será suficiente para impedir que [a inflação] saia do controle.
FOLHA - Qual será a inflação deste
ano?
BELLUZZO - De 6%, 6% e pouco,
mas é difícil prever com exatidão. O importante é manter a
inflação dentro da margem de
dois pontos percentuais [para
cima ou para baixo, faixa para
absorver imprevistos].
FOLHA - Que outras medidas, além
de subir os juros, o BC pode tomar
para combater a inflação?
BELLUZZO - O BC pode cuidar da
velocidade da expansão do crédito. Não é apenas o gasto público que está crescendo rápido. O crédito no Brasil ainda é
pequeno na comparação com
outros países, mas a velocidade
do crescimento é muito grande.
FOLHA - A idéia de um fundo soberano foi muito criticada por especialistas. Para alguns, dourou-se a pílula para elevar o superávit primário?
BELLUZZO - Se fosse isso, já estaria bom [risos]. Daqui a dois
anos, o Brasil terá uma condição privilegiada por conta da
sua dotação de recursos naturais, agora da descoberta do petróleo. O preço do petróleo provavelmente não se manterá nesse nível. Vai ficar num nível
satisfatório para tornar rentável a exploração das reservas. O
Brasil não poderá ser tolerante
com a inflação nos próximos
dois anos. Tem de olhar para a
frente e fazer um sacrifício para
a hora em que a economia
mundial iniciar a recuperação.
FOLHA - Esse modelo atual de desenvolvimento não levará o país a
ser menos industrializado e mais dependente do setor de commodities?
BELLUZZO - É a questão colocada por todo mundo com o mínimo de juízo. Não podemos virar
a Arábia Saudita dos trópicos.
Seria um desastre. Não há necessariamente uma oposição
entre uma boa dotação de recursos naturais, exportador de
commodities e industrializado.
O exemplo maior são os EUA
do século 19 para cá. Os EUA
conseguiram porque nunca
houve país mais protecionista,
graças ao pensador da manufatura americana, Alexander...
[falha a memória e Belluzzo diz
em tom de ironia que está ficando com mal de Alzheimer]
... Alexander Hamilton, o primeiro secretário do Tesouro
dos EUA, foi morto num duelo
porque era mulherengo [risos].
FOLHA - O cara era bom...
BELLUZZO - Bom... pensador [risos].
FOLHA - O resultado do PIB no primeiro trimestre, impulsionado pelo
gasto público, não é literalmente
uma bomba-relógio inflacionária?
BELLUZZO - Estão crescendo o
gasto público e o consumo privado por causa do crédito. O
crédito cresce numa velocidade
muito maior do que o gasto público. É preciso uma gestão de
demanda. Deixar as duas coisas
crescendo tem impacto explosivo. Aí é bomba-relógio.
FOLHA - Que medida deveria ser
adotada para limitar o crédito?
BELLUZZO - Cuidado com as regras prudenciais do sistema financeiro. O BC tem de propor
um conjunto de regras para que
o sistema bancário seja mais
restrito ao conceder crédito.
FOLHA - O sr. sugeriu isso a Lula?
BELLUZZO - Sugeri, sim.
FOLHA - Concorda com a teoria de
que o Brasil sofre uma "inflação importada", contra a qual a elevação
dos juros não adiantaria nada?
BELLUZZO - Não dá para fazer
uma separação entre inflação
importada e inflação interna.
São as duas coisas.
FOLHA - O BC, então, acertou ao subir juros para combater a inflação?
BELLUZZO - O BC tinha de se
adiantar ao perceber que a inflação estava mudando de patamar. Mas eu disse ao Meirelles:
o problema é que, se a taxa de
juros estivesse a 8,5% ao ano, e
ele subisse meio ponto e depois
mais meio ponto, não seria
criado diferencial tão grande
que afetaria a taxa de câmbio. A
taxa de juros estava errada, estava errada. Quando as condições externas ficaram muito
favoráveis, a taxa de juros tinha
de ter caído mais rapidamente.
FOLHA - O Meirelles respondeu?
BELLUZZO - Ele é democrático.
Estávamos almoçando. Não
contestou. Fez um meneio com
a cabeça.
FOLHA - Meneio de concordância?
BELLUZZO - Não sei (risos).
FOLHA - Há risco de crise no balanço de pagamentos na gestão Lula?
BELLUZZO - Risco muito grande.
Os mesmos fatores que contribuem para valorizar o câmbio
contribuem para deteriorar o
balanço de pagamentos.
FOLHA - Se houver crise no balanço
de pagamentos, quais os efeitos?
BELLUZZO - Uma crise em geral
é antecipada pelos mercados.
Se acham que há risco, eles vão
se mandar. No que se mandam,
haveria um salto [desvalorização] no câmbio. Seria o pior dos
mundos. Nos próximos meses,
com a mudança de patamar inflacionário, um choque cambial
seria a pior coisa. Poderia haver
inflação descontrolada.
FOLHA - A crise dos EUA resultará
em perda de poder daquele país?
BELLUZZO - A solução dos problemas atuais não será feita
sem a presença importante dos
EUA. Os EUA vêm empurrando para o mundo uma crise desde os anos 70. O mundo tinha
de se ajustar a eles. Agora, é
mais complicado. Os EUA vão
ter de negociar. Não conseguirão impor o ajuste ao mundo.
FOLHA - Como China, Índia e Europa reagirão à crise dos EUA e qual espaço ocuparão no futuro?
BELLUZZO - São e serão protagonistas mais importantes do que
já foram. Boa parte do sistema
manufatureiro dos EUA, com
suas empresas, está no exterior.
Os EUA têm o núcleo inovador
da indústria. Continua ali. Mas,
ao mesmo tempo, haverá maior
partilhamento entre os países.
A economia mundial tem outra
estrutura. Houve mesmo uma
globalização produtiva.
FOLHA - O BNDES deve atuar em
negócios como a compra da Brasil
Telecom pela Oi?
BELLUZZO - Deve. Uma das funções de um banco de desenvolvimento é estruturar empresas
nacionais com capacidade de
competição no exterior.
FOLHA - O caso Varig não é exemplo de que o governo Lula interfere
em demasia nos negócios privados?
BELLUZZO - São os negócios privados que interferem nos Estados nacionais. É uma velha hipocrisia liberal achar que o Estado se mete na economia. É a
economia que se mete dentro
do Estado. Se houve favorecimento [no caso Varig], é outra
questão, mas o Estado acaba
sendo chamado a interferir.
Pergunte a um grande empresário o que ele faz quando tem
um problema. Bate à porta do
governo. O governo deve ter regras do que pode ou não pode
atender.
FOLHA - O sr. assinou um manifesto de apoio a Serra em 2006, quando
ele aventou concorrer a presidente.
Quando o PSDB optou por Alckmin,
o sr. apoiou Lula. Por quê?
BELLUZZO - Porque acho que são
mais parecidos do que diferentes [Serra e Lula]. O Serra
tromba com os problemas, como o Lula faz. É uma virtude.
Assinei o manifesto porque, naquele momento, do ponto de
vista da política econômica, o
Serra seria mais conveniente
para o Brasil. E, depois, o Lula
se mostrou mais conveniente.
FOLHA - O sr. faz ponte entre Serra
e Lula, que parecem mais próximos
do que no 1º mandato do petista?
BELLUZZO - Não tenho essa pretensão, mas garanto que nunca
falei mal de um para o outro. Ao
contrário. Acho que serão adversários políticos, mas não
acho que serão inimigos.
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