São Paulo, terça-feira, 16 de junho de 2009

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BENJAMIN STEINBRUCH

"Meio brinde"


Durante os nove meses de crise, o BC agiu sem revelar maior preocupação com a deterioração econômica

PARA QUEM combate regularmente a política de juros estratosféricos adotada há décadas no país, seria injusto deixar de reconhecer que vivemos na semana passada um momento histórico nessa matéria.
Pela primeira vez desde que foi criada a taxa básica de juros conhecida pelo nome de Selic -que, aliás, significa Sistema Especial de Liquidação e Custódia, se é que alguém ainda se lembra-, ela ficou abaixo de 10% ao ano. O Banco Central cortou a taxa de 10,25% para 9,25%, numa decisão que, de forma inusitada, surpreendeu o mercado, que esperava por um corte de apenas 0,75 ponto percentual.
Juros de um dígito são muito bem-vindos ao país, uma grata novidade. Mas daí a achar que está tudo bem com a política de juros vai uma grande distância. Por várias razões.
Foi e continua sendo muito lenta a reação da política monetária brasileira à tensão global. Chegamos a esse nível de um dígito nove meses depois do epicentro da crise, em setembro do ano passado. Enquanto isso, todos os bancos centrais importantes derrubaram suas taxas para níveis próximos de zero e já começam até a alterar suas políticas -no dia 4, o Banco Central Europeu manteve a taxa de juros em 1% ao ano, atitude semelhante à do Banco da Inglaterra, que continuou com 0,5% ao ano.
Os juros reais no Brasil ainda estão em terceiro lugar no ranking mundial das taxas mais altas, atrás apenas de China e de Hungria. Aqui, a despeito do corte tido como surpreendente da semana passada, a taxa real ainda é estimada em 5% ao ano. Uma interessante tabela publicada pela Folha (11/6/2009, página B1) mostra que, para estimular a economia, pelo menos 15 países adotam taxas de juros reais negativas, entre eles Índia, Israel, Inglaterra, Chile, México e Coreia do Sul.
A lentidão na redução dos juros, além de colaborar para encarecer os investimentos e a atividade produtiva em geral durante a crise, teve e continua tendo efeito perverso no câmbio. É inegável que parte da atual apreciação do real, como já ocorreu em 2007 e em 2008, provém da diferença enorme entre os juros locais e os externos. Outra parte tem a ver com os bons fundamentos da economia brasileira.
Os juros para os tomadores continuam muito elevados. Para as empresas, embora tenha havido queda constante nas taxas, os níveis cobrados ainda se encontram acima do verificado antes da crise de setembro. A taxa média para empréstimos de capital de giro, por exemplo, segundo o Banco Central, está em 34,5% ao ano, acima dos 33,6% de setembro. Essas taxas não guardam relação com a Selic. Basta observar que, em setembro de 2007, quando a Selic estava em 11,25%, os juros médios para capital de giro situavam-se em 28%.
Durante os nove meses de crise, a autoridade monetária agiu sem demonstrar maior preocupação com a deterioração rápida da atividade econômica. A economia brasileira encolheu 4,5% nos dois últimos trimestres. O Banco Central autônomo, sem dúvida, exige um índice muito maior de transparência sobre as decisões colegiadas.
Como sugeriu o professor Delfim Netto, cada diretor deveria ser levado a justificar seu voto, por escrito, para que as decisões sobre juros, tão relevantes para o país, pudessem ser analisadas e criticadas.
Por tudo isso, apesar da medida surpreendente do Banco Central, a política de juros ainda não merece um brinde. Talvez mereça um "meio brinde".


BENJAMIN STEINBRUCH, 55, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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