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LUÍS NASSIF
O velho sábio e o câmbio
O velho sábio saiu em defesa do Banco Central e
do método das "metas inflacionárias". Para calar a boca dos
que duvidavam da eficácia da
política monetária, comprovou
a correlação entre taxas de juros e desemprego, na forma elegante de um gráfico -tão útil
quanto demonstrar a correlação entre a retirada do oxigênio da água e a mortandade de
peixes.
Mantém o texto elegante e o
raciocínio claro. Como um
mestre da retórica, não mente
no que diz, mas não diz tudo.
Neste ano o Banco Central
manteve os juros nas alturas,
aumentou o compulsório, o governo gerou um superávit fiscal
inédito, valorizou artificialmente o real à custa de uma
política cambial passiva e temerária. Mas o velho sábio sustenta que o sistema de "metas
inflacionárias" é virtuoso porque conseguiu gerar o desemprego necessário para abortar
o surto inflacionário.
Em apenas dois meses o BC
baixou sua previsão de crescimento do PIB de 2,5% para
1,5% -uma queda espantosa
em tão curto espaço de tempo-, a economia entrou em
deflação, os desempregados se
multiplicam pelo país.
Por que o BC não conseguiu
antever o que era possível observar a olho nu e com um pingo de bom senso? Porque a planilha do Ilan Goldfajn -o ex-diretor que trabalhou no modelo- ganhou vida própria,
como computadores e robôs de
filmes de ficção científica.
Com base nessa planilha, o
ministro da Fazenda anuncia
que o objetivo do governo é
chegar a dezembro com taxas
de juros de 20% ao ano (!), e o
presidente do BC sustenta que
antes as taxas não caíam porque a inflação estava viva; agora não cairão para impedir que
a inflação ressuscite. E a economia em deflação!
O problema das "metas inflacionárias" não é o modelo em
si, mas a fé cega em sua capacidade, o abandono de qualquer
outro fundamento da economia, mesmo aqueles diretamente afetados pela política
monetária.
O velho sábio garante que, ao
contrário do que sustentam os
críticos, mesmo com a volatilidade cambial o sistema é bom
porque segurou a inflação. E o
custo social, o custo político, a
desarrumação no setor real da
economia? Se houvesse um índice de sacrifício inútil para
medir as consequências sociais
dos excessos das políticas monetárias, qual seria a correlação com a taxa Selic do BC no
gráfico do velho sábio? Como
seriam considerados a queda
na previsão do PIB, a queda do
PIB na ponta, a legião de desempregados, a volta da desesperança?
O velho sábio sabe de tudo isso. Ele não procura convencer
os de fora; procura justificar-se
aos de dentro. Porque, por trás
do fundamentalismo de todo
neófito, existe sempre um velho
sábio, nem sempre portador do
bom conselho. Especialmente
quando substitui a clarividência de quem via a partida de
fora pela ansiedade de quem
voltou ao jogo.
Agora, posto que velho e sábio, não procura brigar com os
fatos, como os "neoeconomistas". Apenas trata de selecionar ênfases e correlações, para
construir a justificativa.
É pena a um país tão pobre
de referências perder uma figura referencial. Espera-se que seja provisoriamente.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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