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São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 2003

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LUÍS NASSIF

O velho sábio e o câmbio

O velho sábio saiu em defesa do Banco Central e do método das "metas inflacionárias". Para calar a boca dos que duvidavam da eficácia da política monetária, comprovou a correlação entre taxas de juros e desemprego, na forma elegante de um gráfico -tão útil quanto demonstrar a correlação entre a retirada do oxigênio da água e a mortandade de peixes.
Mantém o texto elegante e o raciocínio claro. Como um mestre da retórica, não mente no que diz, mas não diz tudo.
Neste ano o Banco Central manteve os juros nas alturas, aumentou o compulsório, o governo gerou um superávit fiscal inédito, valorizou artificialmente o real à custa de uma política cambial passiva e temerária. Mas o velho sábio sustenta que o sistema de "metas inflacionárias" é virtuoso porque conseguiu gerar o desemprego necessário para abortar o surto inflacionário.
Em apenas dois meses o BC baixou sua previsão de crescimento do PIB de 2,5% para 1,5% -uma queda espantosa em tão curto espaço de tempo-, a economia entrou em deflação, os desempregados se multiplicam pelo país.
Por que o BC não conseguiu antever o que era possível observar a olho nu e com um pingo de bom senso? Porque a planilha do Ilan Goldfajn -o ex-diretor que trabalhou no modelo- ganhou vida própria, como computadores e robôs de filmes de ficção científica.
Com base nessa planilha, o ministro da Fazenda anuncia que o objetivo do governo é chegar a dezembro com taxas de juros de 20% ao ano (!), e o presidente do BC sustenta que antes as taxas não caíam porque a inflação estava viva; agora não cairão para impedir que a inflação ressuscite. E a economia em deflação!
O problema das "metas inflacionárias" não é o modelo em si, mas a fé cega em sua capacidade, o abandono de qualquer outro fundamento da economia, mesmo aqueles diretamente afetados pela política monetária.
O velho sábio garante que, ao contrário do que sustentam os críticos, mesmo com a volatilidade cambial o sistema é bom porque segurou a inflação. E o custo social, o custo político, a desarrumação no setor real da economia? Se houvesse um índice de sacrifício inútil para medir as consequências sociais dos excessos das políticas monetárias, qual seria a correlação com a taxa Selic do BC no gráfico do velho sábio? Como seriam considerados a queda na previsão do PIB, a queda do PIB na ponta, a legião de desempregados, a volta da desesperança?
O velho sábio sabe de tudo isso. Ele não procura convencer os de fora; procura justificar-se aos de dentro. Porque, por trás do fundamentalismo de todo neófito, existe sempre um velho sábio, nem sempre portador do bom conselho. Especialmente quando substitui a clarividência de quem via a partida de fora pela ansiedade de quem voltou ao jogo.
Agora, posto que velho e sábio, não procura brigar com os fatos, como os "neoeconomistas". Apenas trata de selecionar ênfases e correlações, para construir a justificativa.
É pena a um país tão pobre de referências perder uma figura referencial. Espera-se que seja provisoriamente.

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Luisnassif@uol.com.br


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