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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
A ação afirmativa nas universidades
No Brasil, o negro ganha em média a metade do que um branco, e 2/3 da diferença
é atribuível à educação
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UMA DECISÃO da Suprema Corte dos Estados Unidos em
2003 proibiu a utilização de
cotas, mas aprovou o uso de outras
políticas de ação afirmativa na admissão nas universidades públicas
americanas. O voto foi apertado (5 a
4), e um dos dissidentes, o juiz Clarence Thomas, negro, mas reconhecido como o mais reacionário membro da corte, escreveu que a ação
afirmativa prejudica as minorias, retardando o seu progresso. A tese de
Thomas era que, uma vez admitidos,
os alunos de cor não conseguiriam
sucesso na competição com os
colegas.
Em resposta, o ex-presidente da
Universidade Princeton William
Bowen, co-autor de um estudo sobre
a questão, declarou: "De alguma forma, os cientistas sociais devem dizer
claramente aos juízes, mesmo ao
Clarence Thomas, que a evidência
(empírica) é relevante". Bowen e
Derek Bok, ex-presidente da Universidade Harvard, estudaram uma
base de dados com 45 mil ex-alunos
de algumas das instituições americanas mais seletivas e concluíram
exatamente o oposto do que Thomas escreveu no seu parecer. Mesmo aqueles que tiraram notas baixas
nos testes do final do curso secundário -e, portanto, mais provavelmente admitidos por causa da ação afirmativa- ganharam muito por freqüentar uma universidade de elite.
O pesquisador do Ipea Sergei Soares documentou que, no Brasil, o trabalhador negro ganha em média a
metade do que ganha um branco, e
quase dois terços dessa diferença é
atribuível à educação. Aumentar o
acesso dos negros à escolaridade é
um passo essencial para diminuir
esse hiato de renda, e a evidência
empírica internacional e brasileira
pode ajudar a indicar o melhor caminho para fazê-lo.
Os adversários das cotas no ensino
superior federal têm bons argumentos. Há o perigo de o sistema de cotas
possibilitar o acirramento da intolerância racial. Para beneficiar a sociedade como um todo, o sistema universitário precisa ser meritocrático,
e os estudantes devem ser selecionados de acordo com a sua capacidade
para aproveitar o ensino.
A maioria das instituições americanas de ensino adotou um sistema
menos rígido de ação afirmativa, que
favorece a admissão de alunos negros e hispânicos sem instituir cotas
e que responde a esses receios. Apesar de a direita americana atacar, por
vezes com sucesso, as preferências
para as minorias, o conflito racial é
bem menor hoje do que era na década de 60. E as universidades americanas de elite, onde a ação afirmativa
é mais efetiva, têm um ensino de
qualidade invejável e contribuem
cada vez mais para o desenvolvimento daquele país.
Talvez o mais forte argumento
contra as cotas é que os jovens mais
pobres que não fizerem parte dos
grupos beneficiados teriam ainda
maior dificuldade de acesso à boa
educação universitária. No Brasil, os
alunos dos cursos de maior prestígio
nas universidades públicas provêm
majoritariamente das famílias mais
ricas, e um sistema de cotas necessariamente vai tornar ainda mais difícil para um jovem branco de origem
modesta aceder a esses cursos.
Para aumentar o número de jovens pobres, inclusive de cor, nas
boas faculdades, é preciso abandonar o dogma de que a universidade
pública precisa ser gratuita mesmo
para os alunos abastados. Os recursos gerados pelas taxas pagas pelos
alunos que puderem pagar devem
ser utilizados para subvencionar
cursos de preparação e dar bolsas de
manutenção para os alunos mais carentes. Mais vantajoso seria criar
bolsas para alunos carentes que pudessem ser usadas em qualquer faculdade pública ou privada de qualidade.
Mas, mesmo se o ingresso dos
mais pobres nas instituições de ensino federais aumentasse, a evidência empírica aponta que, provavelmente por causa da discriminação e
do preconceito que os jovens de cor
e suas famílias enfrentam, os negros
ainda estariam sub-representados
entre os alunos das melhores escolas, a menos que políticas de ação
afirmativa sejam adotadas.
Há muitos problemas com um sistema de cotas, e seria muito melhor
se cada universidade federal tivesse
autonomia para instituir políticas
próprias para aumentar a diversidade do seu corpo discente. Mas pior
ainda é não fazer nada.
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com
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