São Paulo, domingo, 16 de julho de 2006

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Mantega impõe "quarentena" a secretário

Júlio Gomes de Almeida, da Secretaria de Política Econômica, não pode dar entrevistas ou comparecer a seminários

"Lei do silêncio" foi adotada porque, para técnicos, ele ainda carrega uma visão de iniciativa privada e não "se enquadrou" ao governo

JULIANNA SOFIA
SHEILA D'AMORIM

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Prestes a completar dois meses no Ministério da Fazenda, o secretário de Política Econômica, Júlio Sérgio Gomes de Almeida, 54, vem sendo mantido sob uma espécie de quarentena. Por determinações superiores, ele não concede entrevistas à imprensa, não comparece a seminários ou conferências e participa de forma discreta de cerimônias oficiais.
A "lei do silêncio" foi decretada pelo próprio ministro Guido Mantega (Fazenda), que vem evitando a exposição de Almeida para fugir de polêmicas. Na avaliação de técnicos do ministério, o secretário não está "enquadrado" e ainda carrega a visão de quem está na iniciativa privada. O temor de Mantega é dar início a nova fase de "fogo amigo" no governo.
Com suas funções na SPE esvaziadas por causa do calendário eleitoral -que inviabiliza a discussão de projetos de reformas estruturais no Congresso-, Almeida ficou com a missão de trabalhar o projeto de mudança nas regras cambiais e dar o suporte técnico para os discursos políticos do governo, especialmente do ministro Mantega, sobre questões econômicas.
O secretário sempre teve um bom relacionamento com o ministro e sua escolha reforçou a mudança no perfil do ministério. Diferentemente do seu antecessor, Mantega tem uma visão mais desenvolvimentista e constantemente tromba com o conservadorismo do Banco Central, alvo de duras críticas quando Almeida estava na iniciativa privada.
Apesar da forte ligação entre os dois, há duas semanas o secretário causou um mal-estar dentro do ministério.
Ele foi pivô de um episódio que irritou o ministro: a divulgação de dados sobre investimentos públicos. O estudo fazia um balanço dos investimentos do governo federal em infra-estrutura durante a gestão petista comparativamente aos realizados no governo FHC e foi elaborado por Almeida e sua equipe.
O trabalho foi criticado por especialistas em gastos públicos e pela oposição, que acusaram o ministro de maquiar os números para fazer campanha do governo. Mantega foi obrigado a rebater publicamente tais declarações e até hoje se irrita quando lembra o ocorrido.
Nos bastidores do Ministério da Fazenda, o que se comenta é que o estudo produzido pela SPE provocou um constrangimento geral, pois não houve uma coordenação com a equipe do Tesouro Nacional.
Apesar dos contratempos, Almeida ainda é considerado na Fazenda como o interlocutor mais próximo do ministro, que tem delegado várias atribuições ao secretário. Em reuniões internas, ele fala em nome de Mantega ao se dirigir aos demais secretários. Por esse perfil, esperava-se que ele estivesse mais atuante também na linha de frente.
A cautela do ministro deveria se restringir às primeiras semanas, quando o novo secretário ainda estava conhecendo o ministério e trocando o terno da iniciativa privada pelo uniforme do setor público.
O cuidado de Mantega com o novo colaborador ficou claro na posse. O ministro não deixou o secretário nem sequer se manifestar. A estratégia da Fazenda de manter o secretário fora do foco das atenções tem levado seu adjunto, Otávio Damaso, a representar a SPE. É o adjunto que muitas vezes tem conversado com a imprensa. Almeida se restringe a responder demandas específicas de jornalistas próximos ou a dar declarações eventuais quando é abordado inesperadamente.
Em entrevista recente à rádio Jovem Pan, uma das exceções do seu modo de agir, o secretário demonstrou que sua veia crítica continua em plena forma. Ele disse que a qualidade do gasto do governo é ruim e destacou que há um processo em curso de aumento das despesas correntes.
Sobrou até para o pacote agrícola, que o próprio Almeida ajudou a arrematar assim que assumiu a secretaria. Para o secretário, embora as medidas anunciadas fossem necessárias, é preciso evitar esse tipo de aumento de despesa para não comprometer as contas públicas.


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