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OPINIÃO ECONÔMICA
Um precedente perigoso?
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Um economista brasileiro
nunca pode ficar inteiramente
sossegado. A semana ameaçava
começar bem com a entrevista
concedida no domingo à Folha
por Andrea Calabi, presidente
do BNDES. Calabi reconheceu
que, no Plano Real, a economia
brasileira passou "por uma desnacionalização muito acentuada" e afirmou enfaticamente
que, "agora, o foco do BNDES
são as empresas nacionais".
A ênfase de Calabi foi confirmada pelo novo ministro do Desenvolvimento, Alcides Tápias.
Em seu discurso de posse, anteontem, Tápias anunciou que
está "determinando que o
BNDES estabeleça uma prioridade absoluta para o fortalecimento da empresa privada nacional".
Ah, mas alegria de subdesenvolvido dura pouco. Na segunda-feira, entrou em vigor a resolução 2.644 do Banco Central,
que autoriza certos tipos de investidores a abrir contas bancárias em moeda estrangeira dentro do país. A decisão preocupa,
pois pode ser um passo na direção do enfraquecimento da
moeda nacional.
É verdade que a medida tem
caráter seletivo. Beneficia apenas as empresas encarregadas
da implementação de projetos
nas áreas de energia elétrica, petróleo e gás natural. Estabelece,
também, restrições à movimentação das contas em moeda estrangeira. Por exemplo, as contas só podem acolher receitas decorrentes da venda de petróleo,
gás natural ou energia elétrica,
deduzidos os valores relativos ao
custeio da atividade, os impostos devidos e as demais despesas
a ser realizadas no país.
Mesmo assim, a decisão pode
representar um precedente perigoso. Segundo consta, a intenção é oferecer às empresas interessadas no processo de privatização da área energética garantias contra os riscos de flutuações mais acentuadas da taxa de
câmbio. As demais empresas
perguntarão, naturalmente, por
que só esses investidores têm o
privilégio de abrir contas em
moeda estrangeira dentro do
país. Por que não os exportadores, por exemplo, que também
enfrentam os ônus associados às
flutuações cambiais?
Não existe o risco de que, aberta essa brecha, outros setores
pressionem e consigam do Banco Central a autorização para
dolarizar as suas aplicações
bancárias no Brasil? É claro que
estamos longe da situação da
Argentina, onde vigora desde
1991 um sistema bimonetário,
com plena sanção legal. Mas
nunca é demais lembrar as
imensas dores de cabeça que o
uso interno da moeda estrangeira, dentro do sistema financeiro
e nos contratos da economia,
tem causado à política econômica argentina.
Há outro motivo de preocupação. Ao apresentar a resolução
2.644 à imprensa, o diretor de
assuntos internacionais do Banco Central, Daniel Gleizer, resolveu declarar, também, que o objetivo de longo prazo do atual
governo é avançar na liberalização cambial, inclusive da conta
de capitais, até chegar à livre
conversibilidade do real.
Em que mundo será que vive
esse cidadão? Não registrou o
que aconteceu nos últimos anos
com países que liberalizaram
demais a sua conta de capital?
Ainda não se deu conta de que,
dada a dimensão e instabilidade
dos fluxos financeiros internacionais, um país em desenvolvimento não deve patrocinar ampla abertura da sua conta de capitais e, muito menos, marchar
para a livre conversibilidade?
Vamos admitir (para não levantar hipóteses piores) que esse
diretor do Banco Central seja
um pouquinho distraído. Nos
próprios centros financeiros internacionais, já não se defende
com a mesma convicção a liberalização dos movimentos de capital em economias menos desenvolvidas.
Até o Fundo Monetário Internacional manifestou, em mais
de uma ocasião, as suas dúvidas
sobre esse tema. Por exemplo,
em relatório recente sobre a economia mundial ("World Economic Outlook", maio, 1999), o
FMI fez referências positivas,
embora cautelosas, aos controles
de capital aplicados pela China
e pela Índia. No caso da China,
segundo o relatório, as pressões
financeiras decorrentes das crises em alguns "mercados emergentes" foram de curta duração,
"refletindo em parte a manutenção de controles sobre as transações na conta de capitais". Na
Índia, "controles de capital, embora acarretando custos a prazo
mais longo, parecem ter ajudado a limitar a vulnerabilidade a
movimentos abruptos de capital
de curto prazo", comentou o
FMI.
A experiência internacional
recente revela que é muito arriscado autorizar a circulação interna da moeda estrangeira e liberalizar os movimentos de capital. O Brasil precisa, ao contrário, inverter a excessiva liberalização ocorrida nessa área nos
anos 90. Se não o fizer, correrá o
risco de experimentar uma excessiva volatilidade da taxa de
câmbio que poderá voltar a
ameaçar a estabilidade da economia e, no limite, até mesmo a
sobrevivência da moeda nacional.
Por isso é que eu sempre peço e
repito e volto a pedir (e desculpem a insistência): pelo amor de
Deus e pela Santíssima Trindade: CONTROLEM OS MOVIMENTOS DE CAPITAL!
Paulo Nogueira Batista Jr., 44, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net
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