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São Paulo, terça-feira, 16 de dezembro de 2003

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LUÍS NASSIF

Modelo econômico e crime

Um dos problemas dos cabeças de planilha é a incapacidade de correlacionar a teoria e a realidade. Aplicam acriticamente fórmulas aprendidas no exterior. Não fossem cabeças de planilha, adaptariam o conhecimento às condições do país, já que modelos econômicos não são universais.
Como não conseguem, aplicam a teoria, desequilibram a economia, começam a pipocar as sequelas. E aí se metem em um exercício inútil de encontrar uma "explicação" para cada desajuste.
O caso mais flagrante tem sido essa tentativa de descolar a questão da segurança do modelo econômico. Há um aumento enorme não apenas da criminalidade das ruas, mas do crime organizado. Não é necessário nenhum exercício intelectual complexo para perceber relações diretas entre estagnação econômica e aumento da criminalidade. Mas esse pessoal ignora todos os sinais, todas as evidências.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo decidiu montar séries estatísticas e cruzar os dados. Pegou um período longo -janeiro de 2001 (base 100) a abril de 2003. Em uma linha, colocou o índice de roubo a transeuntes (assalto à mão armada). Na outra, a taxa de desemprego. A correlação foi de 0,83 (o chamado nível de aderência vai de -1 a +1).
Depois comparou o índice de roubos com o rendimento médio mensal dos assalariados. A correlação foi de -0,81 (com sinal negativo porque são inversamente proporcionais: menos renda, mais assalto).
Essa é a parte visível da correlação. A parte mais tenebrosa é o avanço do crime organizado. Quando começou o grande nó no modelo econômico, com a política de juros de 1995, seguida do aumento brutal da carga de impostos (para pagar os juros), milhares de pequenas e médias empresas deixaram de recolher impostos.
O primeiro passo foi a inadimplência. Ocorre que todo aparato regulador no país é contra a economia formal. Ao deixar de pagar impostos, mas continuando na formalidade, esses empresários foram alvo de fiscalização intensa. Ilegal por ilegal, passaram a se abastecer de mercadorias ilegais desde cargas roubadas a produtos falsificados. Os empresários que se mantiveram na ilegalidade se viram sem condições de competir com esse novo e sombrio Brasil que emergiu da crise econômica. A cada dia que passa, essa economia do crime vai se robustecendo cada vez mais. A cada dia que passa, os cabeças de planilha terão de inventar novas explicações para o fenômeno.
A razão é uma só. Este país começou a agonizar no dia em que caiu na armadilha da abertura cambial com câmbio apreciado. E, aparentemente, o governo Lula não terá coragem política para desfazer esse nó.
E, aqui no meu canto, fico pensando em quem causou mais mal ao país: esse crime que está tomando todos os cantos da pátria, ou os economistas que nos jogaram nessa sinuca de bico e persistem nesse caminho por absoluta falta de coragem de encarar o problema.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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