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São Paulo, terça-feira, 16 de dezembro de 2003

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AMÉRICA DO SUL

Acordo básico com vizinhos será anunciado na reunião de cúpula do Mercosul, que ocorre hoje no Uruguai

Brasil faz concessões para atrair andinos à integração

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MONTEVIDÉU

Para começar a alcançar a maior ambição da diplomacia brasileira (a integração sul-americana), o governo está fazendo tantas concessões aos países andinos que os ganhos econômicos acabarão sendo bastante modestos, ao menos na primeira etapa.
Graças às concessões, o acordo básico de livre comércio entre o Mercosul e três dos países andinos (Colômbia, Equador e Venezuela) foi fechado ontem à noite. Esse entendimento permitiu fechar o círculo de integração na América do Sul, prioridade nascida ainda na gestão Itamar Franco, mas muito reforçada no governo Luiz Inácio Lula da Silva.
O acordo será o principal troféu da 25ª reunião de cúpula do Mercosul, que se realiza hoje na capital uruguaia. O Peru já acertou um acordo de associação com o Mercosul, a vigorar a partir de 1º de janeiro. Os dois outros países andinos (Chile e Bolívia) já são associados, com o que apenas as três Guianas não estarão cobertos pelo guarda-chuva da integração.
Que são concessões políticas, fica claro pelas declarações do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan. "Há um viés político, no sentido de concluir a negociação neste ano. Isso tem um preço". O preço é este: aceitar "cotas irrisórias" em setores como lácteos e carne e "15 anos para liberalizar a importação de produtos de nosso interesse", sempre segundo Furlan.
O seu colega Celso Amorim (Relações Exteriores), responsável pela parte política da negociação, ontem já se dizia "muito feliz" com o fato de que "90% do acordo estava acertado".
Apesar das concessões, Furlan admite que o acordo tem vantagens. "O projeto brasileiro de investir em integração física da América do Sul só faz sentido se houver intercâmbio de bens, sob pena de a infra-estrutura ficar ociosa". Qualquer acordo de livre comércio incentiva o intercâmbio, por definição.

Valor agregado
Uma segunda vantagem viria do fato de que a América Latina (não só a América do Sul) é a região que mais importa bens brasileiros de alto valor agregado. Se houver menos restrições, aumentará logicamente a venda de tais produtos. A Zona Franca de Manaus, por exemplo, tem nos países andinos o seu segundo maior mercado, atrás apenas dos Estados Unidos. Exportará US$ 200 milhões este ano, de bens como TVs e celulares.
No acordo com o Peru, ficou acertada a preservação das preferências de que goza a Zona Franca. Para o acordo com os outros andinos, o Brasil pretende ainda mais vantagens. De todo modo, o entendimento com os andinos levará 19 anos, no total, para chegar ao livre comércio de fato.
Mesmo assim, do ponto de vista da diplomacia brasileira, fechar o acordo com os andinos é importante por ocorrer em meio à negociação entre esses mesmos países e os EUA para criar uma zona de livre comércio entre eles.
O anúncio dos entendimentos EUA/andinos foi feito, com pompa e festa, durante a conferência ministerial da Área de Livre Comércio das Américas, no mês passado, em Miami. A cerimônia foi uma maneira de Washington demonstrar que, se o Brasil preferia uma "Alca light" à "Alca abrangente" defendida pelos norte-americanos, havia países sul-americanos ávidos por fechar acordos amplos com os EUA.
Em Montevidéu, um dos ministros que participou da festa em Miami, o colombiano Jorge Botero, fez um discurso sobre a importância da integração sul-americana que o chanceler Amorim considerou melhor que o que ele próprio faria.

O que falta
Falta agora, para consolidar a estratégia brasileira para a América do Sul, dar andamento a um dos pontos da ambiciosa agenda "Objetivo 2006", o programa idealizado pelo Itamaraty para construir o Mercosul dos sonhos: "Assegurar a negociação conjunta de acordos comerciais com terceiros países, na Organização Mundial do Comércio e na Alca".
É essa negociação conjunta que dá substância à integração sul-americana: países pobres e, por isso mesmo, fracos, têm dificuldades nas negociações comerciais regionais e globais. Se puderem, de fato, falar com uma só voz, seriam algo menos fracos.
O problema é que, antes de pensar na integração sul-americana, falta aperfeiçoar o próprio Mercosul. Ontem, Pascal Lamy, comissário europeu para o Comércio (espécie de ministro), deu uma cutucada no bloco ao lembrar que estão disponíveis para o Mercosul, mas não foram requisitados, fundos europeus (no valor total de 40 milhões de euros).

Serviços
Enquanto ambições quase utópicas não se realizam, o bloco vai dando seus passos no processo de integração interna, a serem igualmente anunciados hoje: conforme a Folha já antecipou, fecha mais uma rodada, a quarta, da negociação para liberalizar serviços e abre em parte o setor de compras governamentais federais para os sócios do bloco.
Na verdade, a etapa em que está o Mercosul é menos de liberalização de serviços e mais do que o jargão diplomático chama de "consolidação". Ou seja, cada país apresenta aos demais quais são as restrições legais que existem em cada área e, a partir desse patamar, congela as restrições. Não pode limitar mais a participação de estrangeiros nessas áreas. Mas não significa que as restrições serão imediatamente levantadas.


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