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AMÉRICA DO SUL
Acordo básico com vizinhos será anunciado na reunião de cúpula do Mercosul, que ocorre hoje no Uruguai
Brasil faz concessões para atrair andinos à integração
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MONTEVIDÉU
Para começar a alcançar a maior
ambição da diplomacia brasileira
(a integração sul-americana), o
governo está fazendo tantas concessões aos países andinos que os
ganhos econômicos acabarão
sendo bastante modestos, ao menos na primeira etapa.
Graças às concessões, o acordo
básico de livre comércio entre o
Mercosul e três dos países andinos (Colômbia, Equador e Venezuela) foi fechado ontem à noite.
Esse entendimento permitiu fechar o círculo de integração na
América do Sul, prioridade nascida ainda na gestão Itamar Franco,
mas muito reforçada no governo
Luiz Inácio Lula da Silva.
O acordo será o principal troféu
da 25ª reunião de cúpula do Mercosul, que se realiza hoje na capital uruguaia. O Peru já acertou um
acordo de associação com o Mercosul, a vigorar a partir de 1º de janeiro. Os dois outros países andinos (Chile e Bolívia) já são associados, com o que apenas as três
Guianas não estarão cobertos pelo guarda-chuva da integração.
Que são concessões políticas, fica claro pelas declarações do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz
Fernando Furlan. "Há um viés
político, no sentido de concluir a
negociação neste ano. Isso tem
um preço". O preço é este: aceitar
"cotas irrisórias" em setores como lácteos e carne e "15 anos para
liberalizar a importação de produtos de nosso interesse", sempre
segundo Furlan.
O seu colega Celso Amorim
(Relações Exteriores), responsável pela parte política da negociação, ontem já se dizia "muito feliz" com o fato de que "90% do
acordo estava acertado".
Apesar das concessões, Furlan
admite que o acordo tem vantagens. "O projeto brasileiro de investir em integração física da
América do Sul só faz sentido se
houver intercâmbio de bens, sob
pena de a infra-estrutura ficar
ociosa". Qualquer acordo de livre
comércio incentiva o intercâmbio, por definição.
Valor agregado
Uma segunda vantagem viria
do fato de que a América Latina
(não só a América do Sul) é a região que mais importa bens brasileiros de alto valor agregado. Se
houver menos restrições, aumentará logicamente a venda de tais
produtos. A Zona Franca de Manaus, por exemplo, tem nos países
andinos o seu segundo maior
mercado, atrás apenas dos Estados Unidos. Exportará US$ 200
milhões este ano, de bens como
TVs e celulares.
No acordo com o Peru, ficou
acertada a preservação das preferências de que goza a Zona Franca. Para o acordo com os outros
andinos, o Brasil pretende ainda
mais vantagens. De todo modo, o
entendimento com os andinos levará 19 anos, no total, para chegar
ao livre comércio de fato.
Mesmo assim, do ponto de vista
da diplomacia brasileira, fechar o
acordo com os andinos é importante por ocorrer em meio à negociação entre esses mesmos países
e os EUA para criar uma zona de
livre comércio entre eles.
O anúncio dos entendimentos
EUA/andinos foi feito, com pompa e festa, durante a conferência
ministerial da Área de Livre Comércio das Américas, no mês passado, em Miami. A cerimônia foi
uma maneira de Washington demonstrar que, se o Brasil preferia
uma "Alca light" à "Alca abrangente" defendida pelos norte-americanos, havia países sul-americanos ávidos por fechar
acordos amplos com os EUA.
Em Montevidéu, um dos ministros que participou da festa em
Miami, o colombiano Jorge Botero, fez um discurso sobre a importância da integração sul-americana que o chanceler Amorim
considerou melhor que o que ele
próprio faria.
O que falta
Falta agora, para consolidar a
estratégia brasileira para a América do Sul, dar andamento a um
dos pontos da ambiciosa agenda
"Objetivo 2006", o programa
idealizado pelo Itamaraty para
construir o Mercosul dos sonhos:
"Assegurar a negociação conjunta de acordos comerciais com terceiros países, na Organização
Mundial do Comércio e na Alca".
É essa negociação conjunta que
dá substância à integração sul-americana: países pobres e, por isso mesmo, fracos, têm dificuldades nas negociações comerciais
regionais e globais. Se puderem,
de fato, falar com uma só voz, seriam algo menos fracos.
O problema é que, antes de pensar na integração sul-americana,
falta aperfeiçoar o próprio Mercosul. Ontem, Pascal Lamy, comissário europeu para o Comércio
(espécie de ministro), deu uma
cutucada no bloco ao lembrar que
estão disponíveis para o Mercosul, mas não foram requisitados,
fundos europeus (no valor total
de 40 milhões de euros).
Serviços
Enquanto ambições quase utópicas não se realizam, o bloco vai
dando seus passos no processo de
integração interna, a serem igualmente anunciados hoje: conforme a Folha já antecipou, fecha
mais uma rodada, a quarta, da negociação para liberalizar serviços
e abre em parte o setor de compras governamentais federais para os sócios do bloco.
Na verdade, a etapa em que está
o Mercosul é menos de liberalização de serviços e mais do que o
jargão diplomático chama de
"consolidação". Ou seja, cada país
apresenta aos demais quais são as
restrições legais que existem em
cada área e, a partir desse patamar, congela as restrições. Não
pode limitar mais a participação
de estrangeiros nessas áreas. Mas
não significa que as restrições serão imediatamente levantadas.
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