São Paulo, domingo, 16 de dezembro de 2007

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JOSÉ MÁRCIO CAMARGO

Morrer na praia


O fim da CPMF poderá fazer o país mostrar que amadureceu e entendeu a importância da responsabilidade fiscal

A NÃO-APROVAÇÃO da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) retira do Orçamento 5% do PIB das receitas da União (R$ 40 bilhões). O efeito disso para a economia vai depender de como o governo irá reagir ao fato consumado.
A redução da receita ocorre em um momento particularmente bom para o país. O PIB irá crescer a taxas próximas a 5% ao ano em 2007 e 2008, e o grau de formalização da economia está aumentando. Com isso, a receita tributária como proporção do PIB tem apresentado forte crescimento. Portanto, uma parte da receita da CPMF será reposta pelo próprio desempenho da economia brasileira.
Porém isso não será suficiente e o governo precisará decidir como enfrentar a redução de receitas. Existem dois caminhos a serem trilhados. O primeiro parte do pressuposto de que é necessário preservar o ajuste fiscal e manter a trajetória da relação dívida/PIB em queda como condição para o crescimento de longo prazo. O ajuste teria que ser feito via redução de despesas e aumento de receitas. O segundo caminho parte do pressuposto de que o crescimento da economia se baseia no aumento dos gastos governamentais.
A preservação do crescimento exigiria a redução do superávit primário, o aumento dos impostos e a manutenção das despesas. A primeira estratégia exigiria uma mudança drástica na proposta de Orçamento para 2008, que prevê contratação de servidores públicos, aumentos reais de salários dos funcionários públicos e do salário mínimo, com efeitos importantes sobre o orçamento da seguridade social e aumento de gastos com saúde, investimentos e do Ministério Público, do Legislativo e do Judiciário.
Reajustar os salários do funcionalismo e o salário mínimo pela inflação passada, congelar a contratação de novos servidores e os aumentos dos gastos dos outros Poderes significaria uma importante redução dos gastos planejados para 2008. Uma redução nos investimentos públicos e uma maior agressividade nos processos de concessão preservariam a taxa de crescimento, com redução de gastos.
Por outro lado, cancelar desonerações tributárias realizadas e as planejadas para 2008 geraria ganhos importantes de receitas, além de aumentar a eficiência do sistema tributário. Finalmente, alguns tributos, como o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), poderiam ser elevados.
Uma reação nessa direção reduziria a carga tributária, preservaria o superávit primário, manteria a trajetória da relação dívida/PIB em queda e, muito provavelmente, apressaria a obtenção de "grau de investimento" pela economia brasileira. Como resultado, facilitaria a redução da taxa de juros pelo Banco Central e aumentaria a taxa de crescimento do PIB.
Se a opção for pela segunda estratégia, a proposta orçamentária seria mantida e o problema seria resolvido via aumento da arrecadação decorrente do aumento do PIB e da formalização, aumento de impostos e redução do superávit primário. Nesse caso, o aumento de demanda provavelmente forçaria o Banco Central a aumentar a taxa de juros, a queda na relação dívida/PIB seria interrompida ou revertida e o país perderia a chance de se tornar "grau de investimento" em 2008.
Em suma, o fim da CPMF poderá ser uma oportunidade para o país mostrar que efetivamente amadureceu e entendeu a importância da responsabilidade fiscal ou que ainda continua imaturo e não-confiável. O que seria uma pena, pois, depois de tanto nadar, morreria na praia.


JOSÉ MÁRCIO CAMARGO é professor do Departamento de Economia da PUC-RJ e sócio da Tendências Consultoria Integrada.

Hoje, excepcionalmente, a coluna de JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN não é publicada.


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