São Paulo, domingo, 16 de dezembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VINICIUS TORRES FREIRE

Quem liga para a dívida?


Queda da CPMF pode frear ou tornar mais lenta a queda da dívida pública e manter gasto com juros em nível brutal

ECONOMISTAS DITOS liberais e empresários festejam a queda da CPMF, sem mais. Acham que o gasto público é alto, o que é óbvio, e que cortar um imposto equivalente a 1,4% do PIB é o único modo de tornar o governo menos perdulário, na marra, o que é incerto. Intrigante nesse raciocínio, ao menos no caso de economistas, é que a discussão se limite aos riscos de que em 2008 não seja entregue o superávit primário no nível prometido pelo governo, 3,8% do PIB (superávit primário é a poupança do governo, desconsiderados pagamentos de juros).
Em primeiro lugar, economistas ditos liberais parecem demasiadamente otimistas quanto ao cumprimento da meta de superávit. Segundo, parecem satisfeitos que o superávit caia dos atuais 4,2% (até outubro) para 3,8% em 2008. Terceiro, condescendem com a meta de 3,8%.
Parece, pois, que os economistas liberais estão contentes com a queda exasperadora de lenta da dívida pública, ora nuns 43% do PIB. Parecem tranqüilos em relação ao fato de que o setor público gastará uns R$ 150 bilhões em juros, neste ano.
Os economistas ditos desenvolvimentistas reclamam da brutal conta de juros, dada a brutal taxa de juros, mas sempre relutam em propor que o governo contenha gastos e corte mais dívida. Os economistas liberais se preocupam apenas com imposto.
Mas quem paga a conta da dívida? Como é possível tolerar que o governo de um país pobre e ainda com péssimas condições de financiamento de suas dívidas tenha déficits nominais grandes, de 2,5% do PIB?
É uma epidemia de nonsense. Há muito economista achando que o governo, de uma hora para outra, será capaz de cortar 30% ou até 40% do que perderá com a CPMF. Vieram de Marte? Ademais, passaram a ignorar que há pouco onde cortar, tanto em termos legais como políticos. Segundo dados de João Paulo Brunet, do Itaú, os gastos do governo central até outubro foram de 17,2% do PIB. São "incortáveis" 12,7% do PIB, despesas obrigatórias como salários, INSS, transferências sociais; 2,5% vão para saúde, educação e desenvolvimento social. Vai para investimento 0,7% e gastos discricionários de custeio levam 1,3% do PIB, quase uma CPMF.
Sim, a receita sobe ao dobro do ritmo do PIB. Sim, algum corte haverá, assim como alta de imposto. Algum dinheiro da CPMF voltará, por meio de tributos sobre o consumo adicional que virá com o fim da cobrança do tributo do cheque. Mas a composição do gasto público vai piorar.
Perdeu-se a chance de trocar a CPMF por uma lei de contenção de gasto corrente, o que resultaria numa "sobra de caixa" a ser destinada a mais investimento e a mais abatimento de dívida (mais superávit primário). A suspensão do alongamento da dívida e do aumento de reservas internacionais, que se tornaram muito custosos, dados os seus resultados ora modestos, poderia reduzir ainda mais a despesa financeira. Poderíamos ter em breve déficit nominal zero, dívida menor, juro menor.
A estrutura das contas públicas seria melhor. Enfim, o país não pode, por ora, cortar imposto: deve demais. Porém, muita gente parece antolhada ou cega por interesses muito imediatos: empresários, oposição, governo. E até economistas que bravateiam sua responsabilidade fiscal.

vinit@uol.com.br


Texto Anterior: José Márcio Camargo: Morrer na praia
Próximo Texto: Recuperação econômica demora mais para a classe média
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.