São Paulo, domingo, 16 de dezembro de 2007

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Murdoch recria o "Wall Street Journal"

Empresário começa reforma geral de aparência, conteúdo e equipe do jornal

Há planos de substituição de dezenas dos funcionários da Redação e de contratação de repórteres e editores em veículos concorrentes

RICHARD PEREZ-PENA
DO "NEW YORK TIMES"

Nos últimos meses, Rupert Murdoch transferiu seu escritório para a sede da Dow Jones, a empresa que publica o "Wall Street Journal". Ele pressionou os editores do jornal por artigos mais curtos e um formato noticioso mais objetivo. Tentou estabelecer contatos pessoais com os repórteres que não quer ver roubados pelos rivais. E, na semana retrasada, supervisionou a substituição de diversos executivos do jornal, entre os quais seu diretor editorial, substituindo-os por pessoas de sua confiança.
E isso aconteceu antes mesmo de ele adquirir formalmente a empresa, o que ocorreu na última quinta, quando os acionistas da Dow Jones aprovaram venda da empresa à News Corp., a companhia de Murdoch. Mas ele não esperou pela conclusão das formalidades para tomar as rédeas do "Wall Street Journal", dando início a um processo que equivale a uma reforma geral da aparência, conteúdo e equipe de um dos mais cobiçados jornais do mundo.
"Ele não está perdendo tempo", disse um executivo da Dow Jones que, como a maioria dos entrevistados, não quis que seu nome fosse revelado. "Já está no comando, tomando decisões. Sabemos que é assim que ele opera, mas é impressionante assistir ao processo."
Para os repórteres e editores do "Wall Street Journal", o momento é tanto de ansiedade quanto de antecipação sobre o que pode acontecer ao final de mais de um século de controle do jornal pela família Bancroft. Durante a prolongada batalha de aquisição, no segundo e terceiro trimestres, muitos deles expressaram preocupação com a possibilidade de que Murdoch usasse as páginas noticiosas do jornal para promover seus interesses políticos e de negócios -uma prática comum na News Corp.- ou simplesmente decidisse produzir uma versão mais pobre da respeitável publicação.
Mas Murdoch prometeu que abriria os cofres para expandir o alcance do "Wall Street Journal", perspectiva bem recebida por muitos dos profissionais do jornal, cujas receitas publicitárias estão estagnadas. O jornal já ofereceu aumentos significativos a repórteres que deseja contratar e a alguns jornalistas da casa que estavam estudando propostas para sair. Murdoch telefonou pessoalmente a alguns desses jornalistas, pedindo que ficassem.
Murdoch afirmou que desejava que o "Wall Street Journal" reforçasse sua cobertura política e de assuntos nacionais e internacionais, o que faria do jornal um concorrente mais direto do "New York Times". Ele também pressionou por mais notícias e por reportagens mais sucintas -uma mudança pronunciada, em um jornal que tem entre suas características artigos longos que começam já na primeira página.
Nada disso surpreende vindo de Murdoch, conhecido pela segurança no manejo de suas muitas propriedades e por sua capacidade de moldá-las para refletir suas opiniões, sem perder tempo demais para conseguir o que deseja.
A tomada de controle oferece vastos recursos a um jornal que mal consegue sair do vermelho, em parte porque desafiou as tendências setoriais no que se refere ao corte de funcionários e à circulação. A News Corp. tem receita anual de US$ 29 bilhões, ante US$ 2 bilhões da Dow Jones, e Murdoch já demonstrou repetidamente que está disposto a investir o que for necessário em suas propriedades -e até mesmo a arcar com pesados prejuízos em algumas delas- a fim de conquistar audiência e anunciantes. Acompanhado por um guarda-costas e por seu veterano secretário, Murdoch tem sido presença freqüente nos escritórios da Dow Jones, conduzindo reuniões com executivos.
Após algumas visitas à Redação e de uma turnê pela gráfica do "Wall Street Journal", ele pouco revelou sobre suas intenções, dizem funcionários. Mas acrescentam que, em todas as paradas, ele fez perguntas sobre o trabalho de cada pessoa com quem conversava e revelou domínio surpreendente sobre as funções de cada um, dos cronogramas de produção à operação de impressoras.
Já existem planos firmes para eliminar o caderno "Marketplace", que contém artigos sobre tendências de negócios e tecnologia, no começo de 2008. Também há planos de substituição de dezenas dos funcionários da Redação, enquanto outras mudanças de pessoal -refletindo as prioridades de Murdoch- já estão em curso, entre elas a procura de repórteres e editores em veículos concorrentes.
Desde que a família Bancroft aceitou lhe vender a Dow Jones por mais de US$ 5 bilhões no final de julho, Murdoch vem se reunindo com grupos de executivos e administradores das duas companhias. Nos encontros, eles comparam estratégias publicitárias, procuram possibilidades de joint ventures e debatem o futuro do sistema de acesso pago à edição on-line do "Wall Street Journal", que Murdoch não aprecia.

Mudanças
Quando a batalha pelo controle acionário da Dow Jones ainda estava em curso, alguns dos editores do "Wall Street Journal" acusaram Murdoch de usar o jornalismo de sua empresa em defesa de seus interesses. Existe ansiedade sobre as mudanças, tanto as reais como as cogitadas, temperadas por certa dose de otimismo.
"Acredito que muita gente deva estar esperando para ver o que ele fará, antes de tomar uma posição", disse Byron Calame, antigo editor-assistente do "Wall Street Journal" e também ex-editor do "New York Times". "A idéia de que pode haver mais ativos, mais recursos para as operações noticiosas gera esperanças entre algumas dessas pessoas."
Pessoas que conhecem bem os principais executivos da Dow Jones dizem que lhes foi tornado bastante claro que seriam substituídos quase imediatamente, quer para fins de consolidação de operações com a News Corp., quer para entregar o controle a pessoas de confiança de Murdoch -ou, mais provavelmente, pelos dois motivos. A primeira confirmação surgiu há duas semanas, quando a Dow Jones anunciou que seu presidente-executivo, Richard Zannino, e L. Gordon Crovitz, diretor editorial do "Wall Street Journal", deixariam seus postos.
O jornal deve demitir entre 25 e 40 de seus 750 profissionais de jornalismo. O objetivo não é reduzir o número de funcionários, que na verdade pode até vir a aumentar, mas abrir vagas para novos contratados nas áreas que Murdoch planeja expandir ou, em certos casos, simplesmente tirar certas pessoas do caminho. Diversos repórteres e editores respeitados estão sendo transferidos para Washington.
A coluna de Gerald Seib sobre a política na capital dos EUA também será retomada. O jornal começou a contratar repórteres e fez propostas lucrativas a alguns jornalistas conhecidos do "New York Times" e outros veículos -sem sucesso na maioria dos casos.
Dentro de um ano, o jornal pode ter um grande grupo de repórteres e editores contratado por ordem de Murdoch e desvinculados das tradições do "Wall Street Journal". Serão pessoas que não terão vivido os meses de ansiedade nos quais muitos dos jornalistas da empresa rejeitaram a aquisição e questionaram a ética jornalística de Murdoch. "Ao que parece teremos uma grande mudança de cultura", afirmou um repórter veterano.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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